UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE GABRIELA ENGEL TEIXEIRA OFERTA PÚBLICA COM ATIVOS DIGITAIS: Tokens podem ser caracterizados como valor mobiliário e fiscalizados pela Comissão de Valores Mobiliários? São Paulo 2022 GABRIELA ENGEL TEIXEIRA Trabalho de Graduação Interdisciplinar apresentado como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel no Curso de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Orientadora: Maria Edelvacy Pinto Marinho São Paulo 2022 GABRIELA ENGEL TEIXEIRA OFERTA PÚBLICA COM ATIVOS DIGITAIS: Tokens podem ser caracterizados como valor mobiliário e fiscalizados pela Comissão de Valores Mobiliários? Trabalho de Graduação Interdisciplinar apresentado como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel no Curso de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Orientadora: Maria Edelvacy Pinto Marinho Aprovada em: ___/___/___ BANCA EXAMINADORA ________________________________________________________________ Examinador(a): ________________________________________________________________ Examinador(a): ________________________________________________________________ Examinador(a): 1 OFERTA PÚBLICA COM ATIVOS DIGITAIS: Tokens podem ser caracterizados como valor mobiliário e fiscalizados pela Comissão de Valores Mobiliários? Gabriela Engel Teixeira1 Resumo: O presente estudo objetiva analisar como os tokens podem ser caracterizados como valor mobiliário e qual o papel regulatório da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) diante da tokenização de ativos. O artigo é desenvolvido sob a ótica das legislações que versam sobre o mercado de capitais, as ofertas públicas e os valores mobiliários, e ainda explora os materiais que abordam as tecnologias DLTs, Blockchain e Smart Contracts. A justificativa de estudo e o objetivo central do artigo é entender como o órgão regulador está tratando as ofertas públicas envolvendo ativos virtuais que são caracterizados como valores mobiliários. Ainda que existam benefícios na utilização da tokenização de ativos, os ofertantes precisam ter mais cautela ao analisarem o ativo que será disponibilizado ao público final. Palavras-chave: blockchain, tokens, tokenização, valor mobiliário, oferta pública. Abstract: The following study has objective to answer how tokens can be characterized as Brazilian Securities, and which is Brazil Securities and Exchange Comission (CVM) regulatory role in this topic. The article is developed from the perspective of legislation that deals with capital market, public offers and securities, and still explores the materials that address the technologies such as DLTs, Blockchain and Smart Contracts. The justification of the study and the main objective of this article is to comprehend how the regulatory agency (Brazil Securities and Exchange Comission) is treating public offers envolving digital assets that are characterized as securities. Therefore even if there are benefits in using this digital assests (Tokens), the offerers need to be cautious when analyzing the asset that will be made available to the final public. Keywords: Blockchain, tokens, tokenization, Brazilian Securities, Public Offering. 1 Graduanda em Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie. 2 Sumário: Introdução. 1. DLTs e Blockchain: qual a relação dessas tecnologias? 2. Blockchain como protocolo de confiança. 2.1. A tecnologia criada por Satoshi Nakamoto. 2.2. Características principais da rede: a imutabilidade, descentralização e criptografia. 3. Smart Contract. 4. Processo de Tokenização de Ativos. 4.1. Classificação de Tokens. 4.2. ICO 5. Caracterização de Valores Mobiliários na Legislação Brasileira. 5.1. Direito Comparado: Contrato de Investimento Coletivo (CIC) e a aplicação do Howey Test. 6. Oferta Pública de Valores Mobiliários. 6.1. Rito Automático e Rito Ordinário. Referências. INTRODUÇÃO A sociedade digital é um universo sócio-organizacional edificado pelas transformações decorrentes das revoluções tecnológicas, em que o ser humano assume a identidade como um ser digital dentro do ciberespaço, que é construído com base no conhecimento acadêmico-científico e tecnológico (CASTELLS, 2011). De acordo com Ulrich Beck (2018), as transformações que causam os maiores impactos dentro de uma sociedade são consideradas como uma metamorfose, onde a sociedade deixa de lado as suas raízes, abandonando a sua essência tradicional para abrir espaço a novas formas de organizações sociais. Nesse panorama, as crescentes inovações tecnológicas estão promovendo alterações significativas na dinâmica da sociedade, como por exemplo, a utilização do Blockchain (tecnologia descentralizada com suporte de criptomoeda), Smart Contracts (contratos inteligentes) e Tokens (ativos virtuais ou criptoativos), que são temas deste artigo. A sociedade é tradicional com relação à veracidade e armazenamento de documentos e contratos considerados importantes, isso porque ainda há a obrigação da utilização de cartórios e tabelionatos para garantir a autenticidade com o intuito de gerar confiança entre as partes acordadas. Da mesma forma, no mercado de capitais, os investidores têm o costume de realizar investimentos em instituições financeiras mundialmente conhecidas, uma vez que passam por todos os processos estatais para conseguirem operar no mercado financeiro. Diante de tais considerações, com o advento do Blockchain, foi possível verificar uma maior liberdade de transacionar sem possuir um intermediador. Apesar da tecnologia ganhar notoriedade apenas com a criptomoeda Bitcoin, foram descobertas outras aplicabilidades da plataforma, por conta das suas características que estão atreladas à segurança e integridade das informações disponibilizadas na rede. 3 Apesar do Blockchain ter sido desenvolvido para ser uma tecnologia descentralizada, o que significa dizer que não necessita de uma autoridade central, como o caso de uma instituição financeira, ou de um órgão regulador, como o Banco Central do Brasil (BACEN), a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) ou o Conselho Monetário Nacional (CMN), a CVM busca compreender a zona cinzenta existente nas ofertas com ativos digitais, os denominados tokens. É necessário entender a natureza jurídica e se a oferta está regular, caso contrário, é passível de fiscalização. Neste sentido, o presente artigo tem o propósito de analisar: (i) as Distributed Ledger Technology (DLTs), e qual a conexão com o Blockchain; (ii) os Smart Contracts e seu importante papel na tokenização de ativos; (iii) a tokenização de ativos; (iv) a caracterização de valores mobiliários, de acordo com as diretrizes da legislação brasileira e a aplicação do Howey Test, a fim de compreender (v) como os tokens podem ser caracterizados como valor mobiliário e fiscalizados pela CVM. 1 DLTs E BLOCKCHAIN: QUAL A RELAÇÃO DESSAS TECNOLOGIAS? A fim de contextualizar todo o processo da tokenização de ativos, será necessário entender qual a tecnologia que funciona como base dessa operação. As tecnologias de registro distribuído, denominadas em inglês de Distributed Ledger Technologies, as DLTs, são consideradas redes que operam em um ambiente sem operador ou autoridade central.2 Desse modo, por possuir propriedades e características de DLTs, a tecnologia Blockchain é categoria do gênero Distributed Ledger Technology, que pode ser definida como banco de dados que permitem a guarda e transmissão de informações de maneira autêntica, compartilhada e cronológica, assegurando a veracidade das trocas sem a necessidade de intermediários (VERÍSSIMO, 2019, p.255-267). É importante salientar que existem outros tipos de DLTs além do Blockchain, entretanto, este será o nome escolhido para tratar do tema neste artigo. 2 BLOCKCHAIN COMO PROTOCOLO DE CONFIANÇA 2 Tradução livre de “Distributed ledger technology (DLT) has established itself as an umbrella term to designate multi-party systems that operate in an environment with no central operator or authority”. University of Cambridge. August 2018. Disponível em https://www.jbs.cam.ac.uk/wp-content/uploads/2020/08/2018-10-26- conceptualising-dlt-systems.pdf. Acesso em 13 out 2022. 4 Antes da tecnologia Blockchain ser disseminada na sociedade, através da sua inovação securitária digital, atribuída à criptomoeda Bitcoin, o mundo digital no tocante das operações financeiras, não apresentava quaisquer tecnologias relevantemente seguras para esta questão. De acordo com entusiastas da área da tecnologia, o Blockchain tornou-se o instrumento de maior validação e confiança no ciberespaço – por isso o apelido de “protocolo de confiança” – de modo que evidenciou a necessidade da sua utilização para proteger as vertentes desta área no meio digital, bem como, seus possíveis desdobramentos e aplicabilidades nos diversos meios da sociedade. 2.1 A TECNOLOGIA CRIADA POR SATOSHI NAKAMOTO A tecnologia Blockchain foi criada em 2008, no meio da crise imobiliária dos estados unidos intitulada de “crise do subprime” e conhecida como “a bolha imobiliária americana”, na qual rompeu com um dos bancos mais tradicionais dos Estados Unidos, o Lehman Brothers, o que ocasionou uma crise nas bolsas do mundo inteiro. (BORÇA JUNIOR, Gilberto Rodrigues; TORRES FILHO, 2008) Por meio de um artigo denominado de “Bitcoin: A “Peer-to-Peer Eletronic Cash System”, Satoshi Nakamoto, pseudônimo utilizado pelo autor que até hoje é desconhecido, causou uma disrupção ao incluir uma nova tecnologia no mercado tradicional e já consolidado como é o caso do mercado financeiro e de capitais. Para Satoshi Nakamoto (2008), o comércio dependia de instituições financeiras que funcionavam como intermediários de pagamentos nas transações realizadas por meios eletrônicos, uma vez que havia desconfiança entre as partes. Ainda, fez menção aos custos das operações, onde eram demasiadamente elevados, considerando o tamanho da negociação. O autor então desenvolveu uma possibilidade aos meios de pagamentos existentes, a fim de cooperar com o desenvolvimento do comércio mundial. Satoshi Nakamoto (2008) introduziu o conceito e a prática de um sistema completamente virtual em sua forma e em suas transações, que não necessitaria do intermédio de uma instituição financeira, no qual permitiria o pagamento direto entre as partes (peer-to- peer, P2P) e diminuiria os custos das negociações antes presentes. 5 Maria do Carmo Garcez Ghirardi conseguiu traduzir qual era a verdadeira intenção de Nakamoto, quando expressou o seguinte: Segundo Nakamoto, a participação de uma instituição financeira como intermediaria dos pagamentos, ainda que justificável sob o ponto de vista de garantidora da confiança, inibiria a disseminação do comércio eletrônico de menor valor, pois o custo de transação seria excessivo no caso de pequenos pagamentos esporádicos. A inexistência de intermediários em determinada transação é possível e até mesmo corriqueira quando se trata de uma negociação em que as partes estão frente a frente, numa negociação física, presencial, em que se efetua o pagamento em moeda sonante contra a entrega da mercadoria ou serviço. Partindo dessa premissa, o autor se propõe a apresentar uma solução tecnológica que permitiria a partes totalmente desconhecidas (ausente o elemento confiança), mesmo que localizadas em pontos distantes, efetuar pagamentos com segurança e sem a necessidade de incorrer em custos de transação relativos a intermediários. (GHIRARDI, 2020, p. 25-26) Além da forma de funcionamento e da arquitetura da rede apresentados acima, há outras características que tornam a tecnologia do Blockchain singular e que permitiu ser evidenciado em outras áreas da sociedade como alternativa ao modelo de armazenamento de dados e operações digitais. 2.2 CARACTERÍSTICAS PRINCIPAIS DA REDE: A IMUTABILIDADE, DESCENTRALIZAÇÃO E CRIPTOGRAFIA A tecnologia foi evidenciada por conta das propriedades nela atribuídas, atreladas à sua arquitetura. podendo citar como principais atributos, além da segurança e da tecnologia ser distribuída: a imutabilidade, descentralização e a criptografia. As informações inseridas dentro do Blockchain, são imutáveis e criptografadas. Isso quer dizer que a partir do momento que uma informação é inserida na plataforma, não podem ser alteradas. Essa característica ocorre em razão da sua estrutura, o Blockchain é, de maneira simplificada, uma estrutura de base de dados em um formato de cadeado, em que cada peça deste, denominada de blocos (por isso a parte do nome em inglês, block), guarda um dado e uma parte dos dados do anterior, de maneira a se complementarem, formando assim uma cadeia de dados complementares (por isso a outra parte do nome em inglês, chain). Nesse sentido, Rodrigo Caldas de Carvalho Borges e Alan Gonçalves de Oliveira, afirmam: As transações são agrupadas em blocos, “seladas” por regras de criptografia, e esses blocos são conectados diretamente com o bloco imediatamente anterior, 6 organizando-se de forma cronológica, de forma que cada bloco traz informações do bloco imediatamente anterior. Tal característica é o que dá nome à tecnologia Blockchain (“cadeia de blocos”) e o responsável pela segurança da rede, uma vez que quaisquer alterações de uma determinada transação ensejarão na obrigatoriedade de desfazimento de todos os blocos já “selados” até aquele imediatamente anterior à transação objeto de modificação. Assim, o blockchain assegura a imutabilidade das transações, uma vez que, quanto maior a rede, mais difícil será a modificação de uma transação específica na rede. (COSTA, 2021, p. 233) Desta forma, o Blockchain é tratado como uma tecnologia imutável, tendo em vista a dificuldade que um hacker 3teria ao tentar fraudar todo o sistema em poucos minutos, visto que a plataforma atualiza a cada 10 minutos, tornando esse ato praticamente impossível. O Blockchain apresenta uma descentralização na forma como as informações são distribuídas, fazendo com que o registro destas transações seja como um “livro razão”. Desta forma, qualquer usuário da rede pode ter acesso às informações, sem a necessidade de uma autoridade central para controlar. Fonte: International Finance Corporation4 A imagem acima demonstra exatamente como funciona uma rede centralizada, descentralizada e distribuída. A rede centralizada depende de um provedor/servidor, partindo sempre de um mesmo ponto, enquanto a descentralizada possui escalabilidade exponencial, se conectando em diferentes locais, o que significa dizer que todas as conexões possuem cópias das informações incluídas na base de dados. Ainda, é imprescindível notar que a plataforma tem a garantia de funcionamento sem interrupções indesejadas, portanto se trata de um sistema confiável. 3 Indivíduo que utiliza o seu conhecimento em computação para cometer crimes de forma virtual. 4 NIFOROS, Marina, RAMACHANDRAN, Vijaya e REHERMANN, Thomas. Blockchain – Opportunities for private enterprises in emerging markets. Internetional Finance Corporation (IFC) – World Bank Group, 2019 – Disponível em: https://www.ifc.org/wps/wcm/connect/2106d1c6-5361-41cd-86c2- f7d16c510e9f/201901-IFC-EMCompass-Blockchain-Report.pdf?MOD=AJPERES&CVID=mxYj-sA 7 Em conclusão ao que foi apresentado anteriormente, Dayana de Carvalho Uhdre (2021, p. 35) ainda demonstra como as informações são distribuídas de maneira descentralizada através dos nós, nome este, utilizado para denominar todos os computadores da rede, ao dizer que o “Blockchain é uma espécie de arquitetura de registro de informações realizado de forma distribuída, caracterizada pela forma como registros de informações serão organizados (em blocos conectados criptografamente), e replicado por todos os nós da rede.” Após apresentar as principais características, tem-se ideia do porquê a tecnologia Blockchain vai muito além da criptomoeda Bitcoin, possuindo outras aplicações, principalmente por conta da sua dificuldade em apresentar fraudes, e por esse motivo, gera uma segurança maior. Por esse motivo, a tecnologia passou a ser aplicada nos mais diversos setores da sociedade. À vista disso, Isac Costa expõe que: Além do processamento descentralizado de transações e do uso da criptografia para garantir a segurança e a integridade dos dados, essas tecnologias são marcadas pela rastreabilidade das informações, tornando-as atrativas para o registro da propriedade de bens móveis e imóveis, o registro do histórico médico e outros dados pessoais de usuários, o controle de dados sobre operações de mercado financeiro, a verificação da procedência de mercadorias ao longo da cadeia de suprimentos, a captação de recursos pela emissão de títulos de dívida ou de participação e a negociação de ativos financeiros de diversas naturezas, dentre outras aplicações. (MOSQUERA, 2021) Apesar do seu uso ainda ser restrito, a tecnologia Blockchain, possibilitou que as pessoas pudessem começar a operar com segurança através dela. Além das aplicações expostas, o Blockchain serviu como base para a tokenização de ativos digitais. O processo é desenvolvido com o uso da tecnologia em conjunto com os Smart Contracts, que são os responsáveis por automatizar a operação. 3 SMART CONTRACTS O contrato físico sempre foi o instrumento adotado pela sociedade para formalizar os negócios acordados entre as partes. Embora tenha funcionado durante muitos e longos anos, ainda era um processo custoso por conta da necessidade de comprovar a sua autenticidade perante cartórios, relativamente fácil de ser violado e não ser cumprido entre as partes. Era necessária uma renovação na seara dos contratos, para que a sociedade pudesse ter outra alternativa além dos contratos tradicionais. 8 Foi nesse sentido que Nick Szabo, por meio de artigos publicados entre os anos de 1996 e 1997, inaugurou e conceituou os Smart Contracts. Considerados como “contratos inteligentes” vieram para substituir os contratos físicos, visto que seriam mais funcionais e mais práticos, pois são gerados em computadores. (SZABO, 1996) Nick Szabo (SZABO, 1996) explica que os contratos inteligentes não são de fato inteligentes, a expressão está relacionada com a sua característica de ser automatizada, isso significa dizer que, são criados a partir de algoritmos que imitam as cláusulas de um contrato tradicional, no qual cada obrigação será inserida de forma digital, criando protocolos que serviriam para o monitoramento das partes, causando segurança e confiança para que o contrato não seja quebrado. Dessa forma, um contrato tradicional poderia ser substituído por um contrato inteligente, em virtude dos benefícios trazidos pela utilização deste. Ainda, para se tornar ainda mais confiável, os contratos são registrados e automatizados na rede Blockchain, onde ficam armazenados, podendo ser verificados por qualquer pessoa. Diante disso, surgiram muitas aplicabilidades para essa tecnologia, como por exemplo, a tokenização de ativos, que utiliza os Smart Contracts na rede Blockchain para fazer a liquidação dos tokens distribuídos. 4 PROCESSO DE TOKENIZAÇÃO DE ATIVOS Conforme artigo publicado pela IOSCO (2017) – International Organization of Securities Commissions – a “tokenização” é o método de representar digitalmente um ativo ou então a propriedade de um ativo existente no mundo real. Quando ocorre a tokenização, esse ativo é transformado em frações digitais para que sejam facilmente negociados. O processo de tokenização de ativos é realizado por tokenizadoras que possuem a estrutura e experiência para poder fornecer esse “investimento” em marketplace especializados para ser ofertado para o público. De modo geral, o processo é realizado em quatro etapas: estruturação do token, emissão do token, listagem ou distribuição e governança. Inicialmente, é feita uma análise sobre o tipo de ativo que o emissor deseja emitir para que seja comprovada a existência dele e verificar a possibilidade de ser ofertado publicamente por meio de um marketplace. Logo após a estruturação do token, o Smart Contract é constituído e inserido na rede Blockchain. A partir desse momento, os tokens estão 9 disponíveis para serem ofertados publicamente em alguma tokenizadora, para que então possa ser liquidado entre os token holders, nome dado a quem adquirir parte do ativo. Importante salientar que existem diversos tipos de tokens e a estruturação poderá ser diferente para cada um deles. Por isso, é essencial entender as espécies disponíveis no mercado. O propósito desenvolvido no processo de tokenização de ativos é disponibilizar uma nova forma de captação para diferentes projetos e ainda conciliar com o uso de tecnologias de ponta que transmitem segurança entre as operações. Além disso, possibilitou o acesso a tipos investimentos que antes eram limitados a poucos investidores. Conforme exposto por Rodrigo Caldas de Carvalho Borges e Alan Gonçalves de Oliveira (COSTA, 2021, p.235) “essa inovação traz luz a mercados antes restritos, possibilitando um incremento de liquidez, na medida em que possibilita o rápido e eficiente desenvolvimento de um mercado secundário, sem a necessidade de uma bolsa de valores – tal como atualmente conhecemos – e sem outros intermediários que certamente geram custo à cadeia.”. O tratamento jurídico de um token reflete, necessariamente, a representação dele no mercado tradicional segundo as suas características, ou seja, eles são classificados conforme a função que desempenham. Para isso, é necessário compreender as espécies de tokens. 4.1 CLASSIFICAÇÃO DE TOKENS Há diversos tipos de classificações de tokens que são utilizados no mercado. Porém, o que faz mais sentido é o que o Fundo Monetário Internacional (S.I., s.d.) aderiu: (i) tokens de pagamento (payment tokens); (ii) tokens de utilidade (utility tokens); (iii) tokens de valor mobiliário (asset tokens); e (iv) tokens híbridos (hybrid tokens). No Brasil, através do processo administrativo sancionador da CVM nº 19957.003406/2019-91, julgada em 27 de outubro de 2020, pelo diretor relator Gustavo Machado Gonzalez, foram classificados três tipos de tokens, os quais serão utilizados para elucidar o tema do presente artigo, sendo eles: (i) as criptomoedas (ou payment tokens), que buscam emular as funções de moeda; (ii) os tokens de utilidade (utility tokens), que representam direitos de aquisição de produtos e serviços; e (iii) os valores mobiliários criptográficos (security tokens), que representam direitos de participação em resultados de um empreendimento ou mesmo direitos de voto. Os tokens de pagamento são os mais conhecidos e utilizados, pois foram adotados para exercer como alternativa de um meio de pagamento, já que funcionam com o mesmo 10 propósito do dinheiro, porém relacionados com criptomoedas, como Bitcoin e Litecoin. Podem ser utilizados de diversas maneiras, mas o seu uso é maior na esfera digital. Os tokens de utilidade são aqueles que representam direitos de aquisição de produtos e serviços, ou seja, podem ser usados como cupons de pré-venda, benefícios, programas de fidelidade, etc. Por fim, os tokens de valores mobiliários criptográficos são os que representam direitos de participação em resultados de um empreendimento ou mesmo direitos de voto. Sendo assim, ao possuir um token com essa finalidade, os investidores podem se tornar “donos” de alguma fração do negócio. 4.2 ICO Inicialmente, a sigla “ICO” é definida como “Initial Coin Offering”, ou Oferta Inicial de Moedas, que tratam de um procedimento de divulgação e/ou comunicação de novos ativos digitais no mercado. Fazendo um paralelo, a divulgação dos novos ativos digitais se assemelha com a emissão – e consequentemente sua divulgação – de novas ações ordinárias ou preferenciais das sociedades anônimas com capital aberto na bolsa de valores. De acordo com Tiago Azevedo Basílio, exemplifica como ocorrem as emissões e aquisições dos ativos digitais no mercado: As Token Sales e as ICOs iniciam-se com a publicação de um white paper que descreve o projeto e os direitos e obrigações conferidas aos titulares dos tokens (tokenholders). O emitente, de seguida, coloca um smart contract na Blockchain que, em termos simplificados, possibilitará que suceda o seguinte: se existir registo da entrada de X valor (correspondente a Y quantidade de tokens) em determinada criptomoeda ou moeda, então serão transmitidas Y tokens para determinada conta (e-wallet). Em síntese: existe uma transmissão de dados representativos de valor e quantidade. Esta aquisição pelos investidores tanto pode ser feita diretamente entre emitente e investidor, como através de uma plataforma de negociação de criptomoedas (BASÍLIO, 2019). Por sua vez, após as empresas divulgarem os novos ativos digitais (produto ou serviço) no mercado, os investidores e/ou usuários em rede, tendem a ficar mais atentos e podem aplicar seus recursos financeiros em troca de ativos virtuais, na forma de tokens ou em uma nova criptomoeda que possui um potencial valorização ao longo do tempo, por meio de 11 uma exchange. Em outras palavras, o ICO foi desenvolvido para angariar de fundos sem intermediações de terceiros. Em uma outra perspectiva, a ICO consiste num mecanismo alternativo de financiamento empregado usualmente, por startups que pretendem desenvolver novos projetos e aplicações baseadas em tecnologia blockchain ou criar uma nova criptomoeda (RODRIGUES, 2019, p.29). A título de exemplo sobre o assunto, o criptoativo B7 Coin foi lançada em 2021, baseada na empresa Bot Seven que desenvolve serviços na maior corretora do mundo binary/derive há mais de 21 anos. A B7 Coin foi fundada com a ICO, sendo ofertada como um token digital para diferentes investidores em três fases da moeda: (i) Lançamento de 50 milhões de moedas ao valor de R$1,00 – 15/11/2021; (ii) Lançamento de 50 milhões de moedas ao valor de R$5,00, sendo 30 milhões da empresa Bot Seven e nesse mesmo período a B7 Coin, poderá ser utilizada na compra de produtos da Bot Seven – 15/11/2022; e (iii) Prazo máximo para lançamento da moeda na Exchange de criptomoeda na data de 15/11/2023 (ECOSSISTEMA DA BITCOIN SEVEN, [s.d]). Por outro lado, os Órgãos Públicos enfrentam problemas com os lançamentos de investimentos fraudulentos. Entre 5% e 25% de todos os ICO lançados são fraudulentos (OCDE, 2019, p.34). Os criminosos costumam lançar investimentos fraudulentos em um novo criptoativo em desenvolvimento, como uma oferta inicial de moeda (ICO) ou outra forma de investimento para tirar o dinheiro da vítima. Esses golpes geralmente envolvem cenários que parecem bons demais para ser verdade, oferecendo grandes retornos financeiros para um pequeno investimento de curto prazo. Na verdade, os golpistas roubam dinheiro de investimentos pessoais e utilizam as complexidades dos criptoativo para ocultar o verdadeiro destino dos fundos desviados. Os golpes de criptoativos representam um perigo significativo para a proteção do consumidor e o crescimento desta atividade exige uma maior ação dos reguladores (RICARDO, 2021). 5 CARACTERIZAÇÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA Após avaliar os conceitos das tecnologias que funcionam como base para a tokenização de ativos, para compreender como os tokens podem ser caracterizados como valor 12 mobiliário, é fundamental analisar como o conceito de valor mobiliário foi implantado durante os anos na legislação brasileira, a fim de assimilar qual o critério utilizado pelas autarquias federais, e pelas Leis e Decretos que orientam sobre o tema. O conceito de valor mobiliário é essencial para o mercado de capitais. Como também ocorre em outros países, sua aplicação na legislação possui um caráter instrumental significativo. Determinar o que seja um valor mobiliário, significa mensurar as fronteiras desse mercado, o que implica em definir os limites daqueles que nele atuam, como emissores, investidores ou prestadores de serviço, assim como os limites daqueles responsáveis por sua regulamentação, fiscalização e desenvolvimento, dentre os quais se destacam o CMN e a CVM. De acordo com Ary Oswaldo Mattos Filho, a conceituação de valor mobiliário: (...) se impõe como fronteira demarcatória da abrangência e atuação do direito inerente ao "valor mobiliário". De outro, servirá para definir o campo de atuação governamental na regulamentação do uso de tal instrumental como forma de capitalização de empresas através do acesso ao público detentor de poupança. Ou seja, a conceituação não visa somente saber o que é valor mobiliário, mas também delimitar o campo de atuação dos órgãos do poder executivo federal encarregados de normalizar e incentivar o seu uso. (MATTOS FILHO, 1985, p. 38) Inicialmente, para que o termo “valor mobiliário” fosse introduzido na legislação brasileira, foi preciso seguir uma longa trajetória. Ele foi empregado pela primeira vez na Lei nº 4.728, de 14 de julho de 1965, em que disciplina o mercado de capitais e constitui competência para o seu desenvolvimento. A matéria foi alinhada com a edição da Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976, por meio da qual se originou a Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Além de gerar a referida autarquia, a lei supracitada regulamenta a emissão, distribuição, negociação e intermediação de valores mobiliários, abarcando seus respectivos registros, assim como demais atividades correlatas ao mercado de valores mobiliários. O artigo 2º da Lei nº 6.385/76 foi devidamente alterado pela Lei 10.303 de 31 de outubro de 2001, na qual qualifica em seus incisos, os valores mobiliários – em rol taxativo – sujeitos ao regime da lei: I - as ações, debêntures e bônus de subscrição; II - os cupons, direitos, recibos de subscrição e certificados de desdobramento relativos aos valores mobiliários referidos no inciso II; III - os certificados de depósito de valores mobiliários; IV - as cédulas de debêntures; 13 V - as cotas de fundos de investimento em valores mobiliários ou de clubes de investimento em quaisquer ativos; VI - as notas comerciais; VII - os contratos futuros, de opções e outros derivativos, cujos ativos subjacentes sejam valores mobiliários; IX - quando ofertados publicamente, quaisquer outros títulos ou contratos de investimento coletivo, que gerem direito de participação, de parceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros. (BRASIL, 1976) A Lei 10.303/01, ao reformar a Lei 6.385/76, sistematizou os valores mobiliários dentro do artigo 2º e a sua redação original deu então lugar a uma compilação sob a forma de lista exaustiva dos valores mobiliários até então assim considerados pelo CMN (além das ações, partes beneficiárias e debêntures, os cupões desses títulos e os bônus de subscrição, todos já previstos na redação original) e à inclusão dos derivativos e dos chamados “contratos de investimento coletivo” previstos na Lei nº 10.198/01 entre os valores mobiliários sujeitos ao regime da Lei nº 6.385/76. Diante disso, para definir o que é contrato de investimento coletivo, CIC, foi necessária a aplicação do chamado “Howey Test”. 5.1 DIREITO COMPARADO: CONTRATO DE INVESTIMENTO COLETIVO (CIC) E A APLICAÇÃO DO HOWEY TEST O Direito brasileiro ainda sentia dificuldade ao tentar definir um conceito exato aos valores mobiliários. Por esse motivo, enraizou o conceito de security, trazido no Securities Act de 1933 do Direito norte-americano, incorporando elementos do chamado “Howey Test”. Além da lista dos valores mobiliários presentes no artigo 2º da Lei 6.385/76, ainda seria indispensável realizar a análise aprofundada do CIC, para que pudesse averiguar se tal contrato seria de fato enquadrado em valor mobiliário, uma vez que o inciso IX, do referido artigo possui um conceito aberto. Diante disso, Luis Antonio Sampaio Campos, em voto proferido no Processo CVM nº RJ 2003/0499, esclareceu que: Esse novo conceito pode-se dizer que representou verdadeira revolução copérnica na regulação do mercado de valores mobiliários - muito embora não se tenha atentado para toda a sua extensão - , pois significa o abandono de uma concepção fechada de valor mobiliário, para a adoção de uma concepção funcional- instrumental do que seria valor mobiliário, acabando por alargar sobremaneira sua definição, bem como a competência da CVM. ncorporou-se, então, na realidade 14 brasileira substancialmente o conceito de "security" do direito norte-americano, sem maiores inovações, o que não significa nenhuma crítica, neste particular. Considera-se, para os fins da Lei nº 6.385/76, CICs aqueles “quando ofertados publicamente, (...) que gerem direito de participação, de parceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros”. Nesse sentido, o inciso IX do artigo 2º da Lei nº 6.385/76 introduz 4 elementos distintivos de um valor mobiliário, também presentes no Howey Test: (i) título ou contrato que prevê o investimento de recursos em empreendimento coletivo; (ii) que gere direito de participação, de parceria ou remuneração através deste contrato; (iii) resultante dos esforços advindos do empreendedor ou de terceiros que não o próprio investidor; e (iv) que sejam ofertados publicamente. Diante disso, a CVM passou a analisar as ofertas públicas com ativos digitais e responder as seguintes perguntas para verificar se o ativo ofertado se trata de valor mobiliário: (i) há investimento? (ii) esse investimento é formalizado por um título, ou por um contrato? (iii) o investimento é coletivo? (iv) alguma forma de remuneração é oferecida aos investidores? (v) a remuneração oferecida tem origem nos esforços do empreendedor ou de terceiros? e (vi) a oferta é pública?. Por fim, a fim de que o ativo seja caracterizado como valor mobiliário, as respostas devem ser afirmativas. Para que a análise seja efetiva, é importante entender qual o significado de cada item acima. A primeira pergunta se refere ao termo “investimento” que presume o fornecimento de recursos (dinheiro ou bens suscetíveis de avaliação econômica) pelo investidor, enquanto no item (ii), trata da formalização do investimento, que sugere que tenha um contrato ou título entre o investidor e o ofertante. No item (iii), o termo “coletivo” remete ao negócio objeto do investimento, cujo resultado será partilhado com outras pessoas. Dando continuidade à análise, a pergunta descrita no item (iv) acima, é identificada com o seguinte trecho da norma brasileira: “que gerem direito de participação, de parceria ou de remuneração”. O investidor, ao decidir pela alocação de seus recursos em um CIC, visa à obtenção de algum tipo de ganho, benefício ou vantagem econômica. Esses lucros podem ser auferidos por meio de participação, parceria ou remuneração, inclusive mediante prestação de serviços. 15 Quanto ao item (v), ele é reproduzido quase textualmente pela expressão “cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros” prevista na Lei. Assim, o investidor não deve possuir controle sobre o empreendimento objeto de investimento, o que significa assumir o risco do empreendimento na qualidade de financiador. Ainda, os frutos ou lucro esperado pelo investidor deve ser gerado pelo esforço de um terceiro, isto é, ele deve praticar atos por meio dos quais serão gerados rendimentos ou resultados a serem partilhados com o investidor. Por fim, a última pergunta, é elemento fundamental para a caracterização de um CIC como valor mobiliário, que é a sua oferta pública. É essencial destacar que a CVM examina rigorosamente cada caso, com a finalidade de proteger os investidores de fraudes nas ofertas. No Parecer 40 da CVM diz que “compete à CVM proteger os titulares de valores mobiliários e os investidores do mercado, bem como assegurar o acesso do público a informações corretas, claras e completas sobre os valores mobiliários negociados, disponíveis a todos igualmente.” 6 OFERTA PÚBLICA DE VALORES MOBILIÁRIOS Em princípio, devemos compreender que existem duas operações de financiamento que são tipicamente comparadas às token sales, as ofertas públicas iniciais e o crowdfunding. Segundo Tiago Azevedo Basílio (2018) é aconselhável compreender em que medida estas operações se assemelham e se distinguem. As ofertas públicas iniciais (OPI) – ou Initial Public Offer (IPO) – são uma das operações que têm maior similitude com as emissões de tokens. Enquanto nas primeiras existe uma dispersão de valores mobiliários em bolsa, como ações; na segunda o objeto da oferta pública corresponderá a tokens, mas não existe qualquer mercado regulamentado onde “listar” esses ativos. A oferta pública de valores mobiliários é competência da CVM, portanto nenhuma oferta pública de ativos digitais (ICO) representativos de valores mobiliários, poderá ser distribuída sem prévio registro na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), entendendo-se por atos de distribuição a venda, promessa de venda, oferta à venda ou subscrição, aceitação de pedido de venda ou subscrição de valores mobiliários (DURAN; STEINBERG; CUNHA FILHO, 2019). 16 É um assunto tratado com muita cautela, isso porque existe um certo receio, uma vez que ao emitir uma oferta pública muitos investidores terão acesso, sendo assim, é preciso entender se há risco. Para concluir e entender o papel importante que a CVM possui, vale ressaltar a interpretação de Isac Costa: A regulação da oferta pública de valores mobiliários tem como preocupação fundamental a qualidade e o conteúdo das informações prestadas ao público pelo emissor e pela instituição financeira responsável pela distribuição. Na medida em que o objetivo da regulação é a proteção do mercado de capitais e dos investidores, exigem-se informações para conhecimento das características do investimento e dos riscos associados à aquisição dos valores mobiliários ofertados. As normas preveem sanções, inclusive na esfera criminal, e até mesmo o cancelamento da oferta no caso de informações insuficientes, falsas ou que induzam os investidores a erro, com o intuito de proteção do mercado e da poupança popular (MOSQUERA, 2021) A CVM está acompanhando as novas tecnologias e ofertas que vem sendo utilizadas no mercado de capitais, diante disso, recentemente – 13 de julho de 2022 – editou e atualizou o regime aplicável quanto as ofertas públicas, tornando os processos mais flexíveis e eficientes. De acordo com o Superintendente de Desenvolvimento de Mercado da CVM, Antonio Berwanger, "a reforma do arcabouço regulatório de ofertas públicas de valores mobiliários tem o objetivo de trazer maior previsibilidade, agilidade e segurança jurídica para as ofertas públicas e será de extrema importância, dado o crescente papel do mercado de capitais para o país." A atualização da norma vigente trouxe uma conceituação mais moderna para as ofertas públicas, antes trazida pela Lei 6.385/76. Conforme o Artigo 3º da Resolução 160 da CVM: Configura oferta pública de distribuição o ato de comunicação oriundo do ofertante, do emissor, quando este não for o ofertante, ou ainda de quaisquer pessoas naturais ou jurídicas, integrantes ou não do sistema de distribuição de valores mobiliários, atuando em nome do emissor, do ofertante ou das instituições intermediárias, disseminado por qualquer meio ou forma que permita o alcance de diversos destinatários, e cujo conteúdo e contexto representem tentativa de despertar o interesse ou prospectar investidores para a realização de investimento em determinados valores mobiliários, ressalvado o disposto no art. 8o. A Resolução 160 da CVM substituirá – entrará em vigor somente em 2 de janeiro de 2023 – a Instrução CVM 400 (ofertas registradas), que tratava da análise prévia das ofertas com valores mobiliários e a Instrução 476 (ofertas dispensadas), que trazia as hipóteses de dispensa direcionadas aos investidores profissionais. Por sua vez, a nova Resolução trouxe 17 mudanças significativas na seara das ofertas públicas, trazendo dois ritos de registro e destaque também para o prospecto e lâmina da oferta, que se tornaram mais acessíveis para os investidores finais. Ademais, todas as informações das ofertas serão padronizadas, pois a Resolução trouxe uma gama de deveres que deverão ser atendidas pelos emissores das ofertas. No novo regime das ofertas públicas, os registros foram divididos entre o rito automático e o rito ordinário. Entretanto, diferente da “antiga” norma, todas as ofertas públicas, exceto aquelas objeto de dispensas automáticas de registro, estarão sujeitas a registro perante a CVM. 6.1 RITO AUTOMÁTICO E RITO ORDINÁRIO Conforme apresentado anteriormente, foram muitas alterações concebidas na nova norma. Entretanto, merece evidência aqui neste trabalho, a forma com que a autarquia dividiu as ofertas públicas. Segundo o que foi exposto acima, na Resolução 160 da CVM, as ofertas públicas foram divididas em dois ritos: Rito Automático e Rito Ordinário. A caracterização do rito que será aplicado, dependerá da natureza da oferta pública, como por exemplo, tipo de valor mobiliário ofertado, natureza do emissor, público final destinado, entre outros. No Capítulo IV da supracitada Resolução, a CVM apontou todos os detalhes e elementos que obrigatoriamente precisam estar presentes nas ofertas. Ainda que não conseguirão ser expostas todas as modificações que ocorreram neste cenário, é de extrema importância apontar as principais diferenças. No Rito Automático, a oferta não dependerá de registro prévio na CVM. O seu lançamento está atrelado apenas ao requerimento do registro e aos documentos essenciais requeridos pela autarquia. Apesar de não obrigar o registro na CVM, o requerimento de registro deverá ser previamente analisado por entidade autorreguladora autorizada pela autarquia nos termos do convênio. O Rito Automático, por sua vez, se aproxima das vantagens existentes das ofertas regidas pela ICVM 476. Por outro lado, no Rito Ordinário, há a análise prévia da CVM para conseguir o registro, como já acontecia na norma anterior, sendo obrigatório em ofertas que não tenham sido analisadas por entidades do convênio. Por fim, é interessante observar a tabela abaixo para assimilar como a nova regra evoluiu quando comparada às ICVM 400 e 476: 18 Fonte: tabela desenvolvida pela autora 7 CONCLUSÃO Como apresentado no início do artigo, a tecnologia do Blockchain foi desenvolvida para ser descentralizada e não necessitar de um órgão regulador. Com o advento da tokenização de ativos, o mercado de capitais tradicional teve um grande avanço, pois trouxe a democratização a investimentos para o público em geral, por meio do uso de tecnologias, como o Blockchain e os Smart Contracts. Contudo, no desenvolvimento dos processos da tokendização de ativos, foi observado que muitos ativos que estavam sendo publicamente ofertados possuíam características de valores mobiliários. Apesar de não estarem enquadrados nos primeiros incisos do Art. 2º da Lei 6.385/76, o inciso IX é o mais importante diante das qualificações do rol taxativo de valores mobiliários. A partir disso, quando uma respectiva oferta pública de token se adapta no inciso IX, ele precisa ser analisado de acordo com a aplicação do Howey Test, que é o método usado pela autarquia quando deparado com uma oferta sem registro. Desse modo, simplificando ainda mais a questão, todas as ofertas públicas que apresentassem valor mobiliário e não tivessem o devido registro poderiam ser fiscalizadas pela Comissão de Valores Mobiliários. Diante da conclusão exposta acima, os ofertantes precisam averiguar a estrutura de cada token para ter a certeza de que não estão cometendo algum ilícito, pois o token que for qualificado como valor mobiliário, necessita de prévio registro na CVM, conforme já exposto 19 no trabalho. Por outro lado, ainda não está claro até que ponto é algo positivo para os ofertantes, em razão do custo ou taxas envolvendo os registros. Malgrado um token possa ser enquadrado numas das espécies suso descritas, o modelo de negócio e a forma em que ele será transacionado no mercado tem o condão de desnaturá-lo. Por assim dizer, o projeto no qual o token está envolvido deve ser analisado como um todo, atentando-se as suas particularidades e ao papel que ele desempenhará ao ser lançado. Diante da análise apresentada durante o artigo, é notório observar que as ofertas envolvendo criptoativos podem seguir dois caminhos distintos, sendo que o token: (i) poderá ser identificado como valor mobiliário e não poderá ser ofertado de maneira pública, sem o registro junto à CVM; ou (ii) poderá ter sua oferta pública, se for constatado que não se trata de valor mobiliário. Foi um caminho difícil de percorrer até chegar nessa resposta, visto que os órgãos reguladores ainda demonstravam dificuldades para acompanhar as inovações tecnológicas trazidas na nova era da WEB 3.0.. Porém, as alterações ocorridas no âmbito regulador, foram essenciais para que o mercado de capitais seja mais inovador e competitivo. Hodiernamente ainda não há regulamentação direta pelos entes autárquicos competentes a respeito das ofertas públicas envolvendo tokens, sendo utilizadas algumas decisões em casos concretos como paradigmas a serem seguidos, como uma espécie de “jurisprudência administrativa”. Embora exista o Projeto de Lei nº 4.401/21 que trata sobre o futuro dos ativos digitais no Brasil, ele não foi tratado no presente artigo, visto que não seria objeto deste, uma vez que não faz parte da análise de valores mobiliários e não é de responsabilidade da CVM. Dessume-se, portanto, que não se trata de algo simples e objetivo cujas respostas se constatam de mera análise perfunctória. Depende de uma avaliação caso a caso, de forma artesanal e ponderada por profissionais com conhecimentos técnicos e jurídicos capazes de aferir a real natureza jurídica do ativo subjacente a sua representação via token. REFERÊNCIAS BECK, Ulrich. A metamorfose do mundo: Novos conceitos para uma nova realidade. Editora Schwarcz - Companhia das Letras, v. 3, 2018. 20 BRASIL. Lei n.º 4.728, de 14 de junho de 1965. Disciplina o mercado de capitais e estabelece medidas para o seu desenvolvimento. Diário Oficial da União: Brasília, 16/07/1965. 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Faculdade de Direito TERMO DE AUTENTICIDADE DO TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO Eu, Gabriela Engel Teixeira discente regularmente matriculado(a) na disciplina TCC II, da 10ª etapa do curso de Direito, matrícula nº (inserir TIA), período (inserir período), turma (inserir turma), tendo realizado o TCC com o título: Oferta Pública com Ativos Digitais: Tokens podem ser caracterizados como valor mobiliário e fiscalizados pela Comissão de Valores Mobiliários? sob a orientação do(a) Professor(a)Maria Edelvacy Pinto Marinho declaro para os devidos fins que tenho pleno conhecimento das regras metodológicas para confecção do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), informando que o realizei sem plágio de obras literárias ou a utilização de qualquer meio irregular. Declaro ainda que, estou ciente que caso sejam detectadas irregularidades referentes às citações das fontes e/ou desrespeito às normas técnicas próprias relativas aos direitos autorais de obras utilizadas na confecção do trabalho, serão aplicáveis as sanções legais de natureza civil, penal e administrativa, além da reprovação automática, impedindo a conclusão do curso. São Paulo, 11 de novembro de 2022. Assinatura do discente Campus Higienópolis: Rua da Consolação, 930 l Prédio 24 l 1º Andar l Consolação l São Paulo - SP l CEP: 01302-907 Tel. (11) 2766-7153 l www.mackenzie.br l e-mail: tcc.fdir@mackenzie.br