UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE 
 
 
 
 
 
 
 
MARCELINO DONIZETI DE OLIVEIRA GALDINO 
 
 
 
 
 
 
 
RELAÇÕES DIALÓGICAS ENTRE O TEXTO VERBAL  
E A OBRA PICTÓRICA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
São Paulo 
2009 
MARCELINO DONIZETI DE OLIVEIRA GALDINO 
 
 
 
 
 
 
 
 
RELAÇÕES DIALÓGICAS ENTRE O TEXTO VERBAL 
E A OBRA PICTÓRICA 
 
 
 
 
 
 
 
Dissertação apresentada ao Programa de 
Pós-Graduação em Letras do Centro de 
Comunicação e Letras da Universidade 
Presbiteriana Mackenzie, como requisito 
parcial à obtenção do título de Mestre em 
Letras. 
 
Orientadora: Profª. Drª. Aurora Gedra Ruiz Alvarez 
 
 
 
 
 
 
 
São Paulo 
2009 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
G149r  Galdino, Marcelino Donizeti de Oliveira. 
                   Relações dialógicas entre o texto verbal e a obra pictórica /  
              Marcelino Donizeti de Oliveira Galdino – 2009. 
                   82 f. : il. ; 30 cm. 
 
                   Dissertação (Mestrado em Letras) – Universidade Presbiteriana   
              Mackenzie, São Paulo, 2009. 
                   Bibliografia: f. XX-82. 
 
                    1. Dialogismo. 2. Interdiscursividade. 3. Semiótica greimasiana.                          
               I. Título. 
 
                                                                                    
                                                                                   CDD 809 
 
 
 
 
MARCELINO DONIZETI DE OLIVEIRA GALDINO 
 
 
 
RELAÇÕES DIALÓGICAS ENTRE O TEXTO VERBAL E A OBRA PICTÓRICA 
 
 
 
Dissertação apresentada à Universidade 
Presbiteriana Mackenzie como requisito 
parcial para a obtenção do título de Mestre 
em Letras 
 
 
Aprovado em 
 
 
BANCA EXAMINADORA 
 
 
_____________________________________________________________ 
Profª. Drª. Aurora Gedra Ruiz Alvarez – Orientadora 
Universidade Presbiteriana Mackenzie 
 
 
_____________________________________________________________ 
Profª. Drª. Maria Luiza Guarnieri Atik 
Universidade Presbiteriana Mackenzie 
 
 
_____________________________________________________________ 
Profª. Drª. Norma Discini de Campos 
Universidade de São Paulo 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Dedico este trabalho aos meus queridos 
pais, Miguel e Iolanda. À minha esposa 
amada, Érika Ehara Galdino, que 
pacientemente esteve ao meu lado 
durante todo o trabalho. Aos meus irmãos 
Marcos, Márcio, Mauro e Ísis. Aos 
verdadeiros amigos que sempre me 
acompanharam. A todos aqueles que de 
alguma forma me apoiaram e me 
incentivaram a trilhar este caminho. E, 
finalmente, à professora Aurora que não 
só me orientou tecnicamente, mas, 
principalmente, ensinou-me o verdadeiro 
significado de ser mestre. 
 
 
AGRADECIMENTOS 
 
 
À Instituição Universidade Presbiteriana Mackenzie pelo ambiente inspirador. 
Aos professores que sempre me incentivaram e participaram de minha 
formação desde as séries iniciais. 
À minha orientadora Profª. Drª. Aurora Gedra Ruiz Alvarez, a quem serei 
sempre grato pelas orientações técnicas e pela dedicação para comigo, além da 
insistente motivação para escrever e estudar sempre. 
À Profª. Drª. Maria Luiza Guarnieri Atik, do Mackenzie, pelas orientações muito 
pontuais que foram de grande ajuda na minha qualificação. 
À Profª. Drª. Norma Discini de Campos, da Universidade de São Paulo, pelo 
tempo dedicado à leitura do trabalho e pelos estímulos e orientações na 
qualificação. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A maior parte das gaivotas não se preocupa 
em aprender mais do que os simples fatos 
do vôo – como ir da costa à comida e voltar. 
Para a maioria, o importante não é voar, mas 
comer. Para esta gaivota, contudo, o 
importante não era comer, mas voar. Antes 
de tudo o mais, Fernão Capelo Gaivota 
adorava voar (Richard Bach). 
 
 
RESUMO 
 
 
Este trabalho tem como propósito analisar e relacionar entre si textos verbais e não 
verbais. Observamos os recursos propiciadores de leituras, assim como os 
elementos constitutivos de sentido encontrados na construção dos contos “Leite 
empedrado”, de Fabrício Carpinejar, e “Apenas eco”, de Flávio Izhaki, publicados na 
obra Contos sobre tela, de Marcelo Moutinho. Também estudamos as pinturas “As 
gêmeas”, de Alberto da Veiga Guignard, e “Moças”, de Di Cavalcanti, presentes na 
obra supracitada como referencial de intertextualidade e interdiscursividade. Dessa 
forma, analisamos as intenções, os pressupostos e os implícitos inscritos nos 
discursos dos textos verbais e visuais, com base nos fundamentos teóricos da 
filosofia da linguagem de Bakhtin e da semiótica francesa de Greimas. No exame 
dos textos, pretendemos ainda discutir a questão relativa à materialidade da 
linguagem utilizada nos contos, bem como os efeitos de sentido que essa escolha 
textual produz de um campo novo de descrição e de análise do não verbal. Em 
primeira instância, não pressupomos o repasse do não verbal pelo verbal, mas 
apresentamos um instrumental de interpretação das imagens. Por meio deste 
estudo, acreditamos encontrar uma forma de analisar, construir significados e 
mostrar as relações da leitura do signo verbal e do texto plástico-pictórico. 
Palavras-chave: Dialogismo. Interdiscursividade. Semiótica greimasiana. 
 
 
ABSTRACT 
 
 
The purpose of this paper is to analyze and relate verbal and nonverbal texts with 
each other. We observe the resources that stimulate readings, and also the 
constitutive elements of meaning found in the elaboration of the short stories: "Leite 
empedrado", by Fabrício Carpinejar, and "Apenas eco", by Flávio Izhaki, both 
published in the book Contos sobre tela, by Marcelo Moutinho. We also study the 
paintings "As gêmeas", by Alberto da Veiga Guignard, and "Moças", by Di 
Cavalcanti, that are included in the book abovementioned as reference of 
intertextuality and interdiscursivity. Therefore, we examine the intentions, 
assumptions and implicit elements registered in the discourses of verbal and visual 
texts, based on the theoretical aspects of the philosophy of language studied by 
Bakhtin and the French semiotics of Greimas. In the analysis of the texts, we intend 
to discuss the question related to the materiality of the language used in the short 
stories, as well as the effects of meaning that this textual choice produces from a 
new field of description and analysis of the nonverbal. At first, we do not assume the 
transfer of the nonverbal to the verbal, but we present an instrument to interpret the 
images. With this study, we aim to find a way to analyze, elaborate meanings and 
show the relations in the reading of the verbal sign and also of the pictorial text. 
Keywords: Dialogism. Interdiscursivity. Greimasian semiotics. 
 
 
SUMÁRIO 
 
 
 INTRODUÇÃO .................................................................................... 10
  
1 RELAÇÕES DIALÓGICAS ENTRE  O TEXTO VERBAL E A OBRA  
PICTÓRICA ........................................................................................ 13
1.1 ANÁLISE DA CONSTITUIÇÃO DA IMAGEM ..................................... 15
1.2 A PALAVRA E O SENTIDO ................................................................ 17
1.3 O PERCURSO GERATIVO DE SENTIDO  19
  
2 ANÁLISE SEMIÓTICA DA PINTURA “MOÇAS”, DE DI 
CAVALCANTI, E DO CONTO “APENAS ECO”, DE FLÁVIO   
IZHAKI ................................................................................................ 21
3 ANÁLISE SEMIÓTICA DA PINTURA “AS GÊMEAS”, DE 
ALBERTO GUIGNARD, E DO CONTO “LEITE EMPEDRADO”, DE  
FABRÍCIO CARPINEJAR .................................................................. 47
3.1 O DUPLO COMO ELEMENTO DE ANÁLISE COMPARATIVA ......... 60
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................... 67
5 REFERÊNCIAS .................................................................................. 73
6 ANEXOS ............................................................................................. 75
 
 
 
10 
INTRODUÇÃO 
 
 
O propósito deste trabalho é analisar e relacionar entre si textos verbais e não 
verbais, apontando como os elementos constitutivos de sentido são utilizados nos 
enunciados para a produção de sentido dos textos estudados. Para tanto, 
abordamos os recursos propiciadores dessas leituras, os elementos recorrentes na 
construção dos contos “Apenas eco”, de Flávio Izhaki (2005), e “Leite empedrado”, 
de Fabrício Carpinejar (2005), bem como os elementos constitutivos presentes nas 
pinturas “As gêmeas”, de Alberto da Veiga Guignard (1940), que faz parte da 
coleção Nacional de Belas Artes/IPHAN/MinC, e “Moças”, de Di Cavalcanti (1968)1. 
Os contos e as pinturas presentes no livro Contos sobre tela, de Marcelo 
Moutinho, que reúne dezesseis escritores que se inspiraram em pinturas e 
esculturas de grandes artistas nacionais e produziram contos a partir de seus 
olhares sobre o tema apresentado nos textos pictóricos. Dessa observação sobre o 
uso das diversas linguagens sobre os mesmos assuntos, depreendemos as relações 
de intersemioticidade e interdiscursividade que mereceram um exame acurado neste 
trabalho. 
Assim, estudamos a materialidade da linguagem utilizada nos contos e nas 
pranchas, bem como discutimos as escolhas discursivas sugeridas pelas opções 
realizadas pelo criador e pela dinâmica do texto. Com esse propósito, visamos à 
formulação da análise comparativa entre o verbal e o não verbal, ou seja, 
analisamos a (re)construção de um texto a partir de outro texto de natureza 
semiótica diferente. 
Com este estudo, acreditamos encontrar um meio de apreender e construir os 
significados dos enunciados analisados a partir da leitura dos contos e dos textos 
plástico-pictóricos. Desse modo, podemos dizer que é possível concretizar um 
aparato instrumental teórico que permita a interpretação desses e de outros textos. 
Por meio desses estudos, buscamos estabelecer as relações dialógicas e 
discursivas que unem tais enunciados pela escolha de um lugar social, histórico e 
cultural comum, e também pelos próprios ideais de modo de presença. Por esse 
motivo, esses fenômenos são tratados como realidades intersemióticas 
                                                 
1 As duas pinturas que ilustram este trabalho foram escaneadas do livro: MOUTINHO, Marcelo (org.). 
Contos sobre tela. Rio de Janeiro: Pinakotheke, 2005. 
11 
compreendidas como uma das faces do dialogismo de Bakhtin. Também 
procuramos mostrar a relação que existe entre os textos examinados e o modo 
como estabelecem inter-relações: 
 
A enunciação do narrador, tendo integrado na sua composição uma 
outra enunciação, elabora regras sintáticas, estilísticas e 
composicionais para assimilá-la parcialmente, para associá-la à sua 
própria unidade sintática, estilística e composicional, embora 
conservando, pelo menos sob uma forma rudimentar, a autonomia 
primitiva do discurso de outrem, sem o que ele não poderia ser 
completamente apreendido (BAKHTIN, 2006a, p. 151). 
 
As práticas discursivas envolvem um enunciador e sua produção em um 
contexto histórico-social concernente à situação. Nesse processo de enunciação que 
está inserido nas esferas ideológicas existem diferenças profundas. Cada campo da 
criatividade ideológica tem um modo próprio de orientação para a realidade, 
refletindo seu modo e dispondo de função própria no conjunto da vida social. É a 
partir do caráter semiótico que é possível observar todos os fenômenos ideológicos 
sob a mesma definição geral. 
Dessa maneira, estudamos como os mecanismos discursivos podem 
estabelecer as relações dialógicas que se conectam aos acontecimentos que as 
envolvem. Isso significa que o estudo das relações dialógicas nos permite perceber 
os outros discursos que fazem parte ou que estão ligados a tais relações, e entender 
as diferentes ideologias e as posições axiológicas dos sujeitos. A partir dessas 
concepções, as práticas discursivas podem ser entendidas como enunciados verbais 
ou verbo-visuais inseridos em determinadas situações discursivas que os legitimam, 
garantindo sua produção, circulação e recepção pelo leitor dos textos. 
Assim, o objetivo principal deste trabalho é desenvolver perspectivas voltadas 
ao estudo comparativo e interpretativo de textos que retomam o mesmo tema, no 
caso deste trabalho, os contos e as suas respectivas pinturas. Para tanto, 
investigamos como são utilizados os elementos que constituem essas relações. 
Esperamos mostrar como o processo de interpretação e a construção diferenciada 
desses textos podem gerar, ou não, a mesma significação. Pretendemos, por 
conseguinte, fazer a leitura imagética do signo linguístico com a finalidade de 
conhecer as propostas de interação verbal e visual como parceria para a leitura e a 
12 
formação de múltiplos olhares e, consequentemente, múltiplas leituras. Também 
buscamos verificar a intencionalidade presente nos diferentes textos. 
 
13 
1 RELAÇÕES DIALÓGICAS ENTRE O TEXTO VERBAL E A OBRA 
PICTÓRICA 
 
 
As relações dialógicas, segundo Bakhtin, são: 
 
Relações (semânticas) entre toda espécie de enunciados na 
comunicação discursiva. Dois enunciados, quaisquer que sejam se 
confrontados em um plano de sentido (não como objetos e não como 
exemplos linguísticos), acabam em relação dialógica (BAKHTIN. 
2006b. p. 323). 
 
Assim como em outras artes, na literatura é muito frequente um texto retomar 
outro para confrontá-lo ou reafirmá-lo. Diferentemente de um texto de caráter 
científico que cita outras fontes de forma explícita, o texto literário faz essas 
citações, geralmente, em forma de alusão intertextual. Às vezes, não somente as 
ideias ou o estilo de outro autor permeiam o tecido narrativo, também encontramos 
ocorrências em que as apropriações de elementos constitutivos de sentido 
acontecem entre textos de diferentes linguagens como, por exemplo, um texto 
pictórico e um texto verbal, como é o caso da análise deste trabalho. 
Esse diálogo2 produzido entre os enunciados é o resultado de certas 
recorrências de elementos encontrados nos dois textos. Quando um texto faz 
citação de outro, tem a intenção de reafirmar ou inverter, sacralizar ou contestar e 
deformar alguns sentidos do texto citado para estabelecer uma relação contratual ou 
polêmica com ele. É o analista do discurso que vai interpretar como textos de 
diferentes linguagens interagem ou podem interagir. 
Nesse gesto analítico de reconstrução dos sentidos, observamos a intersecção 
entre as pinturas e os contos produzidos a partir da interpretação que contistas 
fizeram das imagens. Dessa forma, o estudo semiótico tem como papel descrever e 
explicar o que o texto diz e como ele diz analisando, de forma minuciosa, os 
diversos textos para construir seu sentido a partir do jogo da interdiscursividade3 nas 
relações com o contexto daqueles enunciados. 
                                                 
2 Segundo Bakhtin, diálogo ou dialogismo são as relações de sentido que se estabelecem entre dois 
enunciados. O processo de dialogização da palavra é interno, pois é perpassada sempre pela palavra 
do outro. 
3 A interdiscursividade pode ser definida pela forma de como um autor assemelha-se ou inspira-se em 
outro para conduzir o seu discurso, ou seja, o desenvolvimento do tema de sua obra. Esse termo diz 
14 
O trabalho de interpretação semiótica procura conhecer como ocorre a 
construção de sentido em uma pintura, um conto, uma encenação, ou qualquer outro 
texto que possa ser interpretado. Segundo Santaella, 
 
Semiótica é a ciência que tem por objeto de investigação todas as 
linguagens possíveis, ou seja, que tem por objetivo o exame de 
modos de constituição de todo e qualquer fenômeno como fenômeno 
de produção de significação e de sentido (1999, p. 13). 
 
Seguindo a mesma forma de pensamento, a análise semiótica greimasiana é 
uma teoria de interpretação que busca enfocar a edificação dos propósitos nos 
diversos textos. Essa teoria mostra o mundo como um conjunto de tessituras 
(interdiscursos) a ser descoberto. Assim, o entendimento do texto no sentido integral 
é analisado a partir de observações principiadas nos elementos constitutivos de 
sentido, ou na materialidade do seu conteúdo. Isso significa que os estudos teóricos 
apontam para uma mesma direção no que diz respeito à relação de sentido na 
construção e na interpretação de diferentes textos. Nessa concepção, toda obra 
literária e, consequentemente, toda obra pictórica podem ser analisadas a partir dos 
postulados teóricos formulados por Bakhtin, que vê a linguagem como um processo 
de interação entre sujeitos constituídos de forma social e histórica. 
Vejamos: 
 
No dialogismo incessante, o ser humano encontra o espaço de sua 
liberdade e de seu inacabamento. Nunca ele é submetido 
completamente aos discursos sociais. A singularidade de cada 
pessoa no “simpósio universal” ocorre na “interação viva das vozes 
sociais”. Nesse “simpósio universal”, cada ser humano é social e 
individual (FIORIN, 2006b, p. 28). 
 
Portanto, a linguagem só é compreendida se houver apreensão dos seus 
elementos constitutivos. Isso implica em tempo, lugar, participantes e seus 
propósitos comunicativos que podem ser variados como, por exemplo, recuperar 
algo já dito para reafirmá-lo ou negá-lo, introduzindo outro olhar sobre o já visto/dito, 
desvelando outros sentidos e estabelecendo uma compreensão ativa. 
Na produção da análise semiótica, a tradução de um texto pode ser feita sob 
dois enfoques: um que enfatiza um fazer interpretativo e outro que procura mostrar a 
                                                                                                                                                        
respeito ao diálogo entre discursos ou à forma como um determinado tipo discursivo se constitui em 
relação a outros tipos já conhecidos. 
15 
produção de sentidos. O uso dos diferentes mecanismos de constituição de sentido 
em determinado texto é o que permite a (re)leitura de uma tipologia textual em outro, 
ou seja, é na recorrência de certos elementos que o enunciatário percebe a 
intertextualidade em ambos. Assim, a imagem visual é representada no texto verbal, 
ou vice-versa, evidenciando os elementos que compõem a intersemiótica4. O 
conceito de intersemioticidade é importante para a teoria da semiótica francesa 
devido ao valor que atribui ao princípio de imanência, isto é, dentro das 
singularidades de cada texto, de certa forma, todos se completam e se reafirmam. 
O estudo das relações entre os textos verbais e os pictóricos que representam 
os verbais, de acordo com a análise semiótica, deve oferecer uma aplicação da 
relação de interpretação e produção de sentido, privilegiando a pesquisa e a reflexão 
desse processo. É justamente essa compreensão que se espera do leitor dos textos 
escritos e das pinturas. Portanto, a interdiscursividade tende a ser paralela em todas 
as artes, já que os gêneros que agrupam todos os enunciados são determinados a 
partir do plano de conteúdo, não do plano da expressão. Ao imitá-los, passa a 
expressá-los por mimese5, adaptando-se a eles e originando vários gêneros que 
resultarão em elementos representantes de expressão. 
Além disso, cada arte pode traduzir a outra a partir de sua natureza, recriando-
a dentro do seu universo. E, mais uma vez, ocorre o paralelismo que vai permitir que 
os mesmos gêneros aconteçam, ou sejam representados, em todas as outras artes. 
Consequentemente, todos os gêneros da literatura podem ser repetíveis na pintura, 
da mesma forma que todos os gêneros da pintura podem ser descritos na literatura, 
ou em outras artes mesmo com as respectivas adaptações. Porém, tais adaptações 
podem sofrer alterações de toda ordem: enformar-se de acordo com o suporte 
escolhido, receber outra denominação dos objetos representados, traduzir um olhar 
diferente sobre o mundo. Essas alterações ocorrem porque uma releitura é criada 
segundo a interpretação e o conhecimento linguístico e cultural do criador. 
 
 
1.1 ANÁLISE DA CONSTITUIÇÃO DA IMAGEM 
 
                                                 
4 Intersemiótica é o termo utilizado para representar a interpretação dos signos verbais por outros não 
verbais, ou vice-versa. Também representa a interpretação de um tipo de texto por outros diferentes: 
a literatura pelo cinema, a pintura pela literatura, e assim por diante. 
5 O conceito de mimesis é apresentado por Platão para se referir à imitação da natureza pelo homem. 
16 
 
A representação plástico-pictórica é uma simulação do fazer humano em 
relação ao modo como é compelido a criar e a exteriorizar seu entendimento de 
mundo interior. A pintura é a arte que utiliza as tintas para representar a imaginação 
do homem, sua necessidade de recriar e de mostrar as diferentes formas como 
interpreta sua realidade. 
Na composição pitoresca, o artista privilegia o espaço, a cor, a linha, a forma e 
a ilusão concernente ao texto pictórico, ao passo que o texto verbal procura criar o 
mesmo objeto a partir de sua descrição por meio de palavras. É nesse ponto que as 
duas artes convergem, pois se completam dentro de suas diferenças. Enquanto uma 
se apoia no visual e na criação imagética da representação do objeto, o texto verbal 
cria a descrição do mesmo objeto com os signos verbais. Portanto, trata-se de um 
processo de intersemioticidade que (re) afirma o momento da representação de uma 
dada realidade mediada por linguagens diferentes. 
A pintura sugere a realidade do seu sujeito enunciador por meio de elementos 
materializadores visuais como cores, linhas, formas e outros meios presentes na 
pintura. Os textos escritos, por sua vez, para expor o mesmo objeto, utilizam todo 
um mecanismo de descrição que usa palavras permitindo que o enunciador possa 
representar o momento da constituição da enunciação. Diante disso, se ambas as 
artes criam as imagens e evocam a essencialidade do olhar, abre-se também a 
possibilidade da sobreposição entre elas. Ora, se é possível a relação entre textos 
de diferentes gêneros, por que seria diferente entre os textos verbais e os visuais? 
A semiótica é a teoria que analisa todo tipo de texto, logo, é também o aparato 
teórico para que possamos estudar as diferentes maneiras de representação do 
enunciador. O sentido, contudo, não está apenas nos elementos explícitos nas 
formas da língua organizada em enunciados, mas na parte percebida ou realizada 
em imagens. Está também em elementos não verbais, no contexto extraverbal e na 
parte presumida que torna a expressão plena de significado para o interlocutor. 
Assim, podemos dizer que o sujeito é o criador do sentido no processo de leitura dos 
textos. Cada fruidor, portanto, fará a sua leitura segundo a sua experiência, o seu 
conhecimento acerca do objeto lido. 
A importância desse fenômeno surgiu a partir da concepção bakhtiniana de 
interação entre os mais variados textos. Essa relação dialógica, segundo o teórico, é 
a relação do enunciado inscrito em um dado momento, ou seja, o texto não é visto 
17 
isoladamente, mas sim a partir da relação com outros discursos similares. Segundo 
Fiorin (2006b, p. 17) em seu livro Introdução ao pensamento de Bakhtin, há três 
eixos básicos sobre o pensamento bakhtiniano: unicidade do ser e do evento, 
relação eu/outro e dimensão axiológica. São essas coordenadas que estão na base 
da concepção dialógica da linguagem. Isso quer dizer que um enunciado só pode 
ser estudado mediante o momento de sua criação e a partir de todo o contexto que o 
envolve. É levado em consideração nos dois grupos de análise o tipo de abordagem 
que foi dado em cada texto; pois, se na representação pictórica há a preocupação 
com os elementos figurativos como o cromatismo, a topologia e as composições 
eidéticas, nos textos verbais a preocupação do enunciador fica por conta do 
processo de narratividade e os elementos de isotopias utilizados para mostrar sua 
intencionalidade. Essa constatação é o ponto de partida desta análise. 
A análise semiótica como uma teoria de significação que busca enfocar a construção 
de sentido nos diversos textos, entre eles o pictórico, norteia o estudo das relações 
que se estabelecem entre o conto de Flávio Izhaki e a pintura de Di Cavalcanti que 
foi o referencial para a produção do conto. “O primeiro conceito de dialogismo diz 
respeito, pois, ao modo de funcionamento real da linguagem: todos os enunciados 
constituem-se a partir de outros”. (FIORIN, 2006b, pág. 30) 
Essa teoria mostra o mundo como um emaranhado de tramas que se interligam e se 
completam gerando, por meio do diálogo estabelecido pelas suas singularidades, 
um produto final que é a exposição do que foi apreendido pela interpretação. A 
problemática da significação é estudada a partir de estudos que partem da 
Semântica Estrutural, proposta por Ferdinand de Saussure, em sua obra Curso de 
Linguística Geral. A partir deste ponto os linguistas preocuparam-se com a análise 
de unidades maiores do que simplesmente a palavra. Algirdas Julien Greimas, 
linguista lituano de origem russa que contribuiu para a teoria da Semiótica e da 
narratologia, aposta na possibilidade de uma metalinguagem teórica que seja capaz 
de abordar todo processo de construção dos textos. Nessa concepção, toda obra 
literária e, consequentemente, toda obra pictórica são consideradas um texto a ser 
interpretado pelo leitor. 
 
A possibilidade de leitura de uma imagem é garantida pela referencialidade 
presente na obra, o que garante seu prestígio como um tipo de linguagem a ser 
analisada. Dadas essas propriedades, não se trata de dizer que a imagem também 
18 
informa ou comunica como o texto verbal, mas sim que ela se constitui em um texto 
em sua especificidade. Isso principia a observação nos modos como os elementos 
constitutivos da imagem são organizados; implica também no trabalho de 
interpretação da imagem como representação de um todo para sustentar a 
intencionalidade produzida com os textos verbais. 
 
 
1.2 A PALAVRA E O SENTIDO 
 
 
O valor conotativo de uma palavra, uma expressão ou um texto depende 
sempre de uma situação sócio-histórica e cultural em que se situa. Todo o contexto, 
no momento da enunciação, define sua intencionalidade, seu discurso e a maneira 
como o enunciador do texto utiliza os mecanismos de significação. Assim, de acordo 
com sua intenção naquele momento, o enunciador pode apresentar um texto 
utilitário voltado inteiramente para a realidade empírica, com o objetivo de informar 
um conteúdo, lançar mão dos recursos que apenas são encontrados na linguagem 
literária, e criar um texto temático-figurativo. Porém, o leitor desse texto pode, às 
vezes, não perceber a diferença entre o sentido denotativo ou a plurissignificação 
utilizada pelo enunciador, o que impossibilita o entendimento do texto. 
O conto em análise é um bom exemplo de linguagem polissêmica. A 
constituição do conjunto conteúdo/expressão apresenta uma trama de elementos 
coesivos que dá significação à expressão e procura dar a tessitura necessária à 
construção textual, permitindo que o leitor possa identificar na microestrutura e na 
macroestrutura os elementos constituintes de sentido do texto. O texto literário, 
como no caso do conto em análise, é voltado para o conteúdo. O importante é a 
maneira como o texto foi construído, mais até do que a própria realidade retratada 
na narrativa. Esse tipo de texto não tem a obrigatoriedade da objetividade 
encontrada em textos não ficcionais que ilustram certa realidade mediante a imagem 
criada pelo modo de apresentação do conteúdo. Dessa maneira, o texto como objeto 
cultural – um romance, uma pintura, uma música – tem sua especificidade e sua 
distinta forma de constituição e de manifestação. Entretanto, esses objetos ainda 
não estão prontos, pois se destinam à fruição e dependem de um posicionamento de 
recepção e compreensão do leitor dos textos. 
19 
 
1.3 O PERCURSO GERATIVO DE SENTIDO  
 
A escolha do processo de análise deste trabalho se justifica pelo fato de que no 
percurso gerativo existe a possibilidade de interpretação em diferentes níveis, em 
uma sucessão de patamares. Cada um deles está suscetível a receber uma 
descrição mais adequada que produza sentido e cuja interpretação obedece a um 
processo que parte do mais simples até o mais complexo. O que diferencia a 
semiótica greimasiana das demais é que o sentido encontrado em uma interpretação 
é estudado a partir das relações semi-simbólicas entre o plano de expressão e o 
plano de conteúdo. 
Segundo Barros (2002b, p. 15), no percurso gerativo de sentido: 
 
Prevê-se a apreensão do texto em diferentes instâncias de abstração 
e, em decorrência, determinam-se etapas entre a imanência e a 
aparência e elaboram-se descrições autônomas de cada um dos 
patamares de profundidade estabelecidos no percurso gerativo. 
 
 
O conto “Apenas eco”, de Flávio Izhaki, será abordado sob o viés da análise 
semiótica, segundo os princípios da teoria greimasiana. Neste enfoque 
metodológico, observaremos os três percursos gerativos de sentido: nível das 
estruturas fundamentais, nível das estruturas narrativas e nível das estruturas 
discursivas. Em cada um desses níveis existe um componente sintáxico e um 
componente semântico que serão comentados mais adiante. 
As estruturas discursivas, conforme Diana, 2002, são consideradas as menos 
profundas ou as mais superficiais; as estruturas semionarrativas, por sua vez, 
dividem-se em dois patamares: um nível narrativo ou superficial e outro profundo. 
Cada um desses patamares (narrativo profundo, narrativo superficial e discursivo) 
constitui o percurso gerativo de sentido e está dividido em uma sintaxe e uma 
semântica. 
Um ponto importante a ser observado com relação a leituras mais profundas ou 
superficiais é que cada um desses elementos não comportam, dentro da teoria 
semiótica, nenhum juízo de valor como se o profundo fosse mais importante do que 
20 
o superficial. Cada um tem sua significação que está articulada em camadas, em 
uma rede de significações, em que os níveis ora especificam, ora são especificados. 
 
 
 
 
21 
2 ANÁLISE SEMIÓTICA DA PINTURA “MOÇAS”, DE DI CAVALCANTI, E DO 
CONTO “APENAS ECO”, DE FLÁVIO IZHAKI 
 
 
2.1 O PERCURSO GERATIVO DE SENTIDO NA PINTURA6 
 
 
 
 
 
A necessidade de se comunicar e se expressar faz com que o homem crie 
diferentes formas de representação daquilo que quer informar. Assim, para se fazer 
entender, interagir, explicar ou tentar compreender o mundo que sempre o cercou, o 
homem cria diferentes linguagens que coexistem e se completam com o mesmo 
propósito. Dessa forma, desde os tempos mais remotos, utiliza pinturas como meio 
de representação do seu cotidiano, das caças, da natureza e também dos elementos 
de sua religiosidade. 
O desenvolvimento da pintura, assim como da oralidade, foi um passo 
fundamental no desenvolvimento do ser humano. Por meio desses recursos, o 
homem passou a registrar tudo o que era importante para sua vida. Mas foi 
principalmente na pintura rupestre que o homem encontrou sua maior fonte de 
representatividade, percebendo que era possível descrever todas as suas ações, 
                                                 
6 Imagem escaneada do livro: MOUTINHO, Marcelo (org.). Contos sobre tela. Rio de Janeiro: 
Pinakotheke, 2005. 
22 
evocar sua divindade e ornar sua moradia. Ao mesmo tempo, compreendeu que sua 
comunicação oral não garantia a permanência de seu gesto criador. Nesse 
momento, houve a confirmação da importância da pintura na vida do homem. Assim, 
no decorrer da história e no desenvolvimento das habilidades de interação, a 
intersemioticidade foi se firmando como o meio de completude da expressividade do 
homem. 
A pintura é a arte que privilegia o espaço, a cor, a linha e as formas, já a 
literatura privilegia as palavras e ambas têm a mesma finalidade. A literatura sugere 
imagens subjetivas criadas pelas palavras, enquanto a pintura representa 
plasticamente a realidade. Se ambas criam imagens e evocam a essencialidade do 
olhar, abre-se a possibilidade de um imbricamento entre elas já que nas 
peculiaridades de cada linguagem são postas suas diferenças e semelhanças em 
traduzir, explicar ou entender o modo como o homem enxerga o seu mundo. 
Sendo assim, verificamos no conto “Apenas eco”, de Flávio Izhaki, as 
possibilidades de correspondências com a pintura “Moças”, de Di Cavalcanti, que foi 
o ponto de partida para a criação do texto verbal. Isso significa que o conto foi 
escrito a partir do recorte de uma realidade apresentada na prancha. Esse dado nos 
conduz a algumas indagações: há no conto os mesmos elementos constitutivos de 
sentido que existem na pintura? O autor se apoiou nos mesmos mecanismos de 
significação? Essas indagações são o ponto de partida para a análise das 
recorrências entre os textos citados. Novamente destacamos a utilização da análise 
semiótica neste estudo com finalidade de mostrar até que ponto acontece, ou não, a 
intersemioticidade. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
23 
 
A análise semiótica francesa é uma teoria que busca a formalização da 
construção de sentidos nos diversos textos utilizados pelo homem. Mostra também o 
mundo como um emaranhado de tramas que se interligam e se completam, gerando 
um produto final que é a exposição do que foi apreendido pela interpretação por 
meio do diálogo estabelecido pelas suas particularidades. Para o estudo da 
articulação entre o plano de conteúdo e o plano de expressão apreendidos na leitura 
desta prancha usaremos como ferramenta o quadrado semiótico proposto por 
Greimas. Visto que o quadrado semiótico consiste na representação visual da 
articulação lógica de qualquer categoria semântica. Assim esta etapa do estudo tem 
a intenção de analisar como os elementos compositivos da pintura “Moças” abordam 
todo processo de construção de significação. 
 
 
HOMOGÊNEO                                                          HETEROGÊNEO 
MONOCROMÁTICO                                                 COLORIDO 
HORIZONTAL                                                           VERTICAL 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
NÃO – HETEROGÊNEO                                             NÃO – HOMOGÊNEO 
NÃO – COLORIDO                                                      NÃO – MONOCROMÁTICO 
NÃO – VERTICAL                                                        NÃO – HORIZONTAL 
 
 
• HOMOGÊNEO → NÃO-HOMOGÊNEO → HETEROGÊNEO 
Na categoria eidética, onde se estuda as relações entre as formas, 
observamos as redes de oposição entre os corpos arredondados e voluptuosos das 
três moças, que praticamente preenchem toda a cena, em contraste com o modo 
como a mesa e o vaso com flores foram concebidos. 
 
 
24 
• MONOCROMÁTICO → NÃO-MONOCROMÁTICO → COLORIDO 
Há uma oposição entre o padrão monocromático das paredes, que são 
vermelhas de um tom escuro, e dos vestidos das moças (vermelho, roxo e verde), o 
que remete a uma idéia de padronização, em relação ao colorido das flores que 
estão dentro  do vaso, sobre uma toalha branca, de uma mesa em segundo plano na 
pintura, que mesmo nesta condição chama mais atenção que as protagonistas em 
destaque. 
 
• HORIZONTAL  → NÃO-HORIZONTAL  → VERTICAL 
A disposição das linhas horizontais, nos encostos das cadeiras, na mesa ao 
fundo, no decote do vestido da moça de vermelho e a posição dos braços da 
segunda moça, estão em oposição às linhas verticais que compõe as paredes, a 
toalha da mesa e os braços da primeira moça. 
 
Como foi estudado anteriormente, no nível fundamental são abordadas as 
oposições semânticas que estão na base da construção de um texto. A prancha em 
análise que serviu de inspiração para o conto mostra uma cena em que estão 
retratadas três moças. Elas estão em uma sala pouco iluminada, onde é possível ver 
que as paredes são pintadas de vermelho e marrom, o que deixa o ambiente 
deveras escuro. Essa descrição mostra que é um ambiente propício para esconder a 
verdadeira identidade de quem quer que esteja por ali. Não há, nesse cômodo, a 
claridade característica de um lugar alegre onde as pessoas procuram 
entretenimento. Mas trata-se de um ambiente apropriado para encobrir atos que 
supostamente infringem um código de conduta socialmente aceito. A alegria que 
poderia ou deveria estar presente na vida de pessoas tão jovens não é observada 
nas expressões das três moças da tela. 
Todas estão sentadas e se mostram muito pensativas ou apreensivas pela 
espera de algo ou alguém. A moça em destaque, situada à esquerda da tela, está 
vestida de vermelho, cor que pode remeter à paixão ou a algo perigoso, de acordo 
com um conhecimento popular e folclórico, em que as cores são vistas em oposição 
semântica, onde, por exemplo, o branco, por exemplo, representa a paz, a luz ou a 
vida, em oposição ao preto que representa a guerra, a escuridão ou a morte. Dentro 
deste conhecimento cultural pode-se dizer que o vermelho remete ao perigo ou á 
sensualidade, que é o que queremos abordar neste contexto da obra. Ela tem a mão 
25 
direita sob o queixo e a outra está solta pelo do corpo. Seu semblante mostra que 
está muito pensativa, e a maneira como apoia o cotovelo no braço da cadeira revela 
certa impaciência. A moça do meio está com um vestido roxo. Uma de suas mãos 
segura a outra e ambas estão apoiadas nos joelhos. Ela tem um olhar muito 
inexpressivo e está encostada na parede, como se estivesse com o pensamento 
bem longe daquele lugar. A terceira moça, que está à direita, veste um vestido verde 
escuro, também tem as mãos sobre os joelhos e, novamente, uma mão está 
segurando a outra. Ela está olhando para o lado e tem uma expressão de 
preocupação. 
Entre as três moças, é possível ver ao fundo uma mesa com uma toalha 
branca, onde há um vaso de cor marrom com flores diversas e bem coloridas, que 
talvez sejam artificiais. Esse ambiente criado pelo artista exibe o mesmo estado de 
espírito das moças. As figuras visuais – moças – remetem a atores do enunciado 
materializado segundo volumes portentosos e voluptuosos da temática do artista. 
Assim, se forem levados em consideração os temas abordados pelo artista Di 
Cavalcanti em sua época, como por exemplo, as festas populares, pessoas comuns, 
feiras, a sensualidade das mulatas e as prostitutas, além de comparar com o texto 
escrito a partir da leitura destas imagens do quadro, é possível inferir que a prancha 
pode retratar um prostíbulo.  
 
 
Nesta primeira parte da análise, são observadas as seguintes oposições 
semânticas: 
 
P.E. CORES QUENTES vs. CORES FRIAS
P.C. FELICIDADE vs. TRISTEZA 
 
• FELICIDADE → NÃO-FELICIDADE  → TRISTEZA 
 
Quando o artista prepara suas tintas, telas e demais materiais utilizados na 
representação de sua expressividade, parte da sua inspiração e de todo um contexto 
para compor o seu trabalho. Assim, além do tema de sua pintura, ele escolhe as 
cores segundo as impressões que quer causar. Um dos efeitos que consegue 
transmitir é a dicotomia causada pela sensação de quente ou frio, felicidade ou 
26 
tristeza, e assim por diante. Isso significa que ele usa as cores como ferramentas 
para construir a significação de algo que quer expor. 
Dessa maneira, o artista consegue fazer com que o leitor de suas imagens 
perceba que as cores quentes são associadas ao sol e ao fogo: amarelo, laranja e 
vermelho. As cores frias, por sua vez, são associadas à água, ao gelo, ao céu: 
violeta, azul e verde. As cores quentes são consideradas excitantes e as cores frias 
são calmantes. Além dessa analogia de quente e frio, o pintor consegue se 
expressar de acordo com a significação universal das cores em que o vermelho 
pode significar perigo ou paixão. Exatamente como a mulher em destaque na qual 
não é possível identificar se sua intenção é atrair ou atacar. 
A mesma cor é propositalmente apresentada no conto para representar as 
cores das paredes: “neste ambiente de paredes vermelhas me aqueço, nesta 
penumbra viscosa me escondo” (IZHAKI apud MOUTINHO, 2005, p. 73). Dessa 
maneira, confirmamos a associação que pode ser feita entre as cores e as 
sensações que podem causar. Portanto, nesta prancha existe a isotopia cromática 
com a reincidência da cor vermelha, o que sugere a sensualidade característica das 
obras de Di Cavalcanti. 
 
 
P.E. MÃOS TENSAS vs. MÃOS RELAXADAS
P.C. APREENSÃO vs. RELAXAMENTO 
 
• APREENSÃO → NÃO-APREENSÃO → RELAXAMENTO 
 
As moças retratadas demonstram em seus olhares, suas expressões e seus 
gestos uma impaciência incontida por algo que estão esperando. É perceptível que 
não se trata de uma situação confortável já que estão muito inquietas. O fato de a 
primeira moça apoiar o queixo na mão e o cotovelo no braço da cadeira mostra que 
está esperando algum acontecimento. Segundo Weil e Tompakow (1997, p. 49), “a 
expressão onde o queixo está apoiado nas mãos é uma espera firme, impaciente, 
desafiadora, e pode ser lido como uma postura negativa”. As outras duas moças 
estão com suas mãos apoiadas sobre o colo e ambas seguram uma mão com a 
outra. Os estudiosos consideram que essa postura é uma expressão clara de tensão 
demonstrada pelas mãos. Esse gesto pode indicar que a pessoa está se “segurando 
27 
em algo para não cair (no desespero)”, “preparando para a luta”, “apaziguando seus 
sentimentos”, ou “pedindo socorro” (WEIL; TOMPAKOW, 1997, p. 179). Isso quer 
dizer que é possível perceber que as três moças estão impacientes e inseguras com 
o que pode acontecer a qualquer momento. 
A mesma situação pode ser observada no conto. Por mais que a personagem 
seja sujeito do seu querer – seduzir o parceiro para ter uma relação amorosa regular 
ou para ter um filho –, ela é assujeitada pelo companheiro que domina a forma como 
a relação deve acontecer, ou seja, uma relação temporária. Ela não encontra 
caminhos seguros para conseguir o que almeja. 
P.E. ARTIFICIAL vs. NATURAL
P.C. VIDA vs. MORTE 
 
• VIDA → NÃO-VIDA → MORTE 
 
Em meio a esse ambiente triste e pouco iluminado percebemos ao fundo, entre 
as três moças, uma mesa com um vaso com flores coloridas. O que pode significar 
esse ornamento? Podemos deduzir sobre essa cena que, na melhor das hipóteses, 
são flores artificiais ou, mesmo que não sejam, representam uma felicidade que não 
existe naquele lugar. O fato de o vaso estar sobre uma toalha branca em um lugar 
onde as paredes são pintadas de vermelho, demonstra que somente aquele 
pequeno espaço possui a luz inexistente em todo o restante do ambiente. Segundo 
o hábito popular, as flores são utilizadas para alegrar o ambiente, enfeitar ou 
agraciar alguém. Isso pode ter sido feito para equilibrar o uso (ou a falta) de outras 
cores na tela, ou para dar outro acento tonal àquele espaço. Podemos inferir ainda 
que a cor branca da toalha representa a paz e que sustenta o único lugar de 
felicidade da casa. Trata-se de uma situação artificial em relação àquela realidade 
das moças ali presentes. 
Assim como a realidade retratada na prancha, observamos que no conto a 
personagem não encontra a paz em momento algum. No início da trama, ela busca 
um companheiro, em outro trecho, tenta ter um filho. Em ambas as situações as 
personagens vivem uma grande insegurança e uma total falta de afeto. 
 
 
 
28 
P.E. RETAS vs. CURVAS 
P.C. RETILINIDADE vs. ROTUNDIDADE
 
• RETILINIDADE →  NÃO-RETILINIDADE → ROTUNDIDADE 
 
As formas predominantes nesta prancha e em outras obras do artista são 
circulares; é a rotundidade das formas femininas. Essa rotundidade está presente no 
vaso vermelho, nas flores, na mesa e nas figuras femininas. Existe, portanto, uma 
isotopia por meio do conjunto de elementos criados por essas formas. 
As características notadas na prancha são recorrentes nos temas abordados 
pelo pintor. As mulheres, a paisagem tropical, os pescadores e os elementos da 
natureza foram objetos de grande paixão do artista. Ele utiliza as cores para 
representar a alegria do povo em qualquer situação, seja no trabalho braçal, seja no 
carnaval. Inicialmente seus temas parecem singelos, mas após uma análise mais 
atenta descobrimos outros sentidos em uma camada subjacente de subsentidos que 
revelam sua verdadeira impressão sobre os elementos e mostra como expressa 
essa leitura em suas pinturas. 
Se a retilinidade demonstra a retidão, a integridade moral e os bons costumes, 
a rotundidade da obra explora a plasticidade e a sensualidade inerentes à anatomia 
feminina. O olhar triste, as curvas angulosas, o ar misterioso e os movimentos lentos 
e preguiçosos descrevem a mulher brasileira, a dama e a meretriz. 
Nas telas, o pintor explora os movimentos e as posições sob todos os ângulos, 
realçando as formas abundantes e os contornos até os limites do fantástico e do 
onírico. A rotundidade marcada no quadro em análise mostra a incorporação do 
erótico, seja pelas imagens sensuais das três mulheres em um ambiente muito 
sugestivo, seja pela temática conhecida e explorada por ele. Todos os elementos 
utilizados para a representação da mulher brasileira estão retratados nesta pintura. 
 
 
P.E. EQUILÍBRIO vs. DESEQUILÍBRIO
P.C. ACEITAÇÃO vs. REJEIÇÃO 
 
• ACEITAÇÃO →  NÃO-ACEITAÇÃO →  REJEIÇÃO 
29 
A pintura apresenta um desequilíbrio causado não só pela posição das três 
moças no espaço da tela, mas pela posição de marginalidade a que as prostitutas 
são condenadas pela sociedade burguesa, ratificada por todo o ambiente boêmio 
retratado na prancha. Afinal, o que o artista quer representar com a sua tela? A 
sensualidade exacerbada dessas mulheres de vida boêmia é uma constante nas 
obras do artista. As cores fortes, as linhas grossas, a rotundidade e os temas 
brasileiros expostos em sua visão nacionalista estão muito presentes nesta pintura. 
É possível perceber que ele opta por utilizar as três figuras não só para ilustrar o 
desequilíbrio existente naquela situação explícita de prostituição, mas para reafirmar 
essa tônica bastante recorrente em sua obra. 
O desequilíbrio é causado pela posição dos corpos na tela. Duas figuras à 
esquerda e uma à direita. Notamos que para o olhar do observador elas não formam 
um triângulo equilátero, característica do Quatrocentto italiano que remete ao 
equilíbrio da obra por meio da harmonia da disposição dos elementos do quadro. A 
segunda figura que ocupa um dos vértices desse triângulo virtual não ganha 
destaque pelo fato de estar encoberta, quase que totalmente, pela mulher da sua 
esquerda. As três moças estão dispostas em um espaço muito reduzido, parecendo 
que é pequeno demais para comportar tantas pessoas. A posição das figuras não 
lembra a posição dos retratos de celebridades encomendados ao pintor. Ao 
contrário, as figuras parecem tencionar a representação de papéis diante da 
sociedade. Antes, são captadas pelo olhar do criador que as surpreende em seu 
momento de espera, apinhadas em determinado espaço social. Por essa razão, não 
distinguimos bem as formas da segunda figura que está em segundo plano em 
relação à figura sentada que segura o queixo. O desequilíbrio materializado pela 
disposição das figuras na tela é percebido no plano de conteúdo e no plano de 
expressão. Fica muito evidente em todos os elementos que compõe o cenário que 
se trata de um prostíbulo, um dos temas muito abordados pelo artista. 
As três moças retratadas vivem em uma situação enigmática: estão naquele 
lugar por vontade ou por obrigação? Elas estão sentadas, mas não estáticas. Todas 
se mostram inquietas com mãos que não repousam sobre o colo, mas sim protegem 
ou escondem suas intimidades. As três têm o olhar despreocupado e alheio ao 
ambiente. Demonstram, porém, nas suas expressões, uma inquietação própria de 
quem tem muita ansiedade. 
30 
O conto de Flávio Izhaki escrito a partir desta pintura mostra o sujeito “moça” 
que, por mais que tenha se empenhado em encontrar um companheiro ou pelo 
menos algum homem que lhe garantisse um filho, continuou sozinha durante toda a 
trama já que não encontrou o seu parceiro. Por conseguinte, tornou-se uma 
meretriz. A sanção de sua história é disfórica, assim como as moças representadas 
na pintura. 
No nível narrativo, como visto anteriormente, analisamos a organização da 
narrativa pelas ações de um sujeito que age segundo seus interesses. Ele se 
empenha em uma transformação para atingir um objetivo e, consequentemente, 
receber uma bonificação porque quer ou porque foi obrigado. 
Segundo Fiorin (2006a, p. 29), “Uma narrativa complexa estrutura-se numa 
sequência canônica, que compreende quatro fases: a manipulação, a competência, 
a performance e a sanção”. Mas como observar esse processo de narratividade em 
uma pintura? 
Até este momento a pesquisa procurou expor os dados referentes ao plano de 
conteúdo do conto e sua expressão. Na comparação com a pintura é necessário que 
se explore o plano de conteúdo observado nos elementos recorrentes nas imagens, 
ou seja, examinar a maneira que o artista adotou para expor sua expressividade; é 
no plano de expressão, portanto, na observação das técnicas visuais e dos 
mecanismos utilizados para compor a prancha que  encontraremos o suporte para a 
interpretação da obra.  Assim, estudamos as categorias cromáticas, que são 
responsáveis pela manifestação das cores utilizadas pelo artista, as categorias 
eidéticas, que respondem pelas formas e as categorias topológicas, que dizem 
respeito à distribuição dos elementos que compõe a prancha. Em “Moças” (1968) 
podemos observar o percurso narrativo dos sujeitos “moças” que ora agem, ora 
sofrem a ação do meio em que estão inseridas. Não é possível afirmar até que ponto 
elas são agentes, ou se apenas sofrem as transformações de estado. Como 
verificamos anteriormente com base no conto “Apenas eco”, é possível afirmar que 
as moças trabalham em um prostíbulo. Porém, discutir se a pessoa escolheu ou foi 
obrigada a trabalhar em um ambiente como esse não é a nossa questão, 
pretendemos observar como se dá a significação por meio da pintura. Assim, a 
primeira coisa a ser observada na prancha é que as moças estão sentadas e, por 
essa razão, podemos deduzir que estão esperando algo ou alguém, ainda mais se 
levarmos em conta suas expressões analisadas anteriormente. 
31 
De acordo com Barros (2002a, p. 26): 
 
Um percurso narrativo é uma seqüência de programas narrativos 
relacionados por pressuposição. O encadeamento lógico de um 
programa de competência com um programa de performance 
constitui, por exemplo, um percurso narrativo, denominado percurso 
do sujeito. 
 
Dessa maneira, a representação abaixo mostra, por meio de um programa 
narrativo7, que o enunciado de estado é o enunciado resultante da transformação 
ocorrida com o sujeito: 
 
F = função 
→ = transformação 
S1 = sujeito do fazer 
S2 = sujeito do estado 
∩ = conjunção 
U = disjunção 
Ov = objeto-valor 
 
PN = F[S1 → (S2 U Ov)] 
F[S1 → (S2 U Ov)] 
 
PN1 = F (conseguir um cliente) 
[S1 (moças) → S2 (moças) U Ov (cliente)] 
 
PN2 = F (ter liberdade) 
[S1 (moças) → S2 (moças) U Ov (liberdade)] 
 
Podemos concluir que nos programas narrativos prevalece a disjunção com o 
objeto-valor. Na primeira situação, as moças estão à espera de um cliente para 
realizarem seu trabalho. Seus contratos estipulam que, se trabalham em lugar como 
esse, são coagidas a cumprir certas obrigações independentemente se querem ou 
não, pois estão lá para isso. Mas a partir da observação de suas expressões é 
possível perceber que não estão à vontade com a situação. No segundo programa 
pressupomos que elas não querem estar ali, pois querem a liberdade para fazer 
outras coisas, principalmente, algo que façam por vontade própria. Portanto, em 
ambos os programas narrativos surge a disjunção com o objeto-valor, ora um cliente 
que não chega logo para tirá-las daquela espera angustiante, ora a privação de fazer 
o que realmente querem. 
                                                 
7 Modelo extraído do livro: BARROS, Diana Luz Pessoa de. Teoria semiótica do texto. São Paulo: 
Ática, 2002a. 
32 
Os elementos que compõem a pintura “Moças” podem ser observados também 
no conto “Apenas eco” e mostram a agonia tanto da protagonista do conto e das três 
moças da pintura. As personagens femininas não se sentem à vontade já que estão 
naquele lugar por obrigação. Os dois textos são, por essa razão, intertextuais e 
intersemióticos por sua natureza. Podemos observar ainda que: 
 
• S1 “moças” U Ov “Acompanhantes” 
• S2 “moça” U Ov “companhia” 
 
No nível discursivo é assinalado pela concretização da narrativa pelo sujeito da 
enunciação, que é responsável pela manifestação da maneira como o enunciado 
aparece no texto. Isso significa que o discurso define o produto realizado pelo sujeito 
e, ao mesmo tempo, esse objeto de comunicação interage entre o enunciador e um 
enunciatário. 
Em um texto verbal a enunciação é projetada com efeito de proximidade ou 
distanciamento, segundo os efeitos de verdade que o enunciador quer causar. Mas, 
em uma pintura, o que pode ser observado é o enfoque que o pintor coloca sobre as 
imagens que cria. Na pintura em análise, as três moças são observadas e descritas 
por um eu observador. Dessa maneira, ele retrata as personagens de longe, sem 
enquadrá-las ou mostrá-las em uma autoimagem. Esse recurso é descrito como uma 
desembreagem enunciva e mostra o distanciamento que o enunciador quer conferir 
às imagens que criou. Tal atitude de distanciamento, porém, não é observada no 
conto, pois a própria protagonista retrata sua vivência até aquele momento em que 
se transforma em uma prostituta. 
A tematização observada em ambos os textos é intersemiótica, mas somente 
como alusão intertextual. No conto a moça está desiludida com sua vida e sabe que 
não consegue alcançar seus objetivos. Por isso, tem uma atitude de desesperança e 
tristeza profunda e não vê outra solução a não ser se prostituir, afinal, chegar a esse 
ponto foi um processo decorrente das escolhas feitas em sua vida. A pintura parece 
mostrar a vivência dessas jovens, suas ansiedades e tensões. Di Cavalcanti mostra 
que suas relações amorosas sempre logram suas expectativas. Repete-se o drama 
na situação enunciativa enfocada pelo conto. O suposto rapaz pretendente do seu 
amor, segundo a leitura da protagonista, não demonstra tratar a relação com 
seriedade. Ao contrário, quer apenas aproveitar-se da inocência dela. Da sua parte, 
33 
apaixonada, ela se dedica inteiramente ao namorado e dele espera os mesmos 
sentimentos.  
 
O texto de Flávio Izhaki mostra como os sonhos de uma mulher podem, por 
vezes, destruí-la enquanto ela tenta desesperadamente alcançá-los. Esse paradoxo 
é mostrado na narrativa ao mesmo tempo em que apresenta o crescimento da 
menina-mulher que, como toda garota, deseja ter um amor eterno, um namorado 
idealizado. Essa visão simplista e um tanto ingênua da vida faz com que, desde 
muito cedo, ela sofra por um amor não correspondido. 
O suposto rapaz pretendente do seu amor, segundo a protagonista, não 
demonstra tratar a relação com seriedade. Pelo contrário, ele quer apenas 
aproveitar-se da inocência da moça. Apaixonada, ela se dedica inteiramente ao 
namorado e espera que ele tenha os mesmos sentimentos por ela. A única coisa 
que espera dele é que corresponda da mesma forma. Nas inúmeras vezes que os 
dois se encontram, ela se doa ao rapaz que nunca retribui como ela espera. 
Assim, ao longo da narrativa e da sua vida, a menina que se transformou cedo 
demais em uma mulher passa a ser conhecida exatamente por tentar 
desesperadamente encontrar um homem para acompanhá-la e, talvez, trazer 
alguma alegria ou propor uma relação duradoura. Contudo, todos os homens com 
quem ela se relaciona por alguns momentos só lhe trazem o sentimento de mais 
uma tentativa frustrada. Desse modo, nesse ritmo desesperador e autodestrutivo 
pela falta de perspectivas felizes, a narrativa se desenvolve revelando as investidas 
da personagem para alcançar seus objetivos, ou seja, sua esperança de encontrar 
um companheiro ou um possível progenitor do filho que a libertará da vida de 
solidão. O texto denuncia, portanto, o isolamento e a tristeza exacerbada da 
sociedade contemporânea. Estes elementos fazem parte das oposições temáticas, a 
euforia ou a disforia, ou seja, os aspectos positivos ou negativos das ações das 
personagens. 
No texto em análise, a oposição semântica que pode ser observada logo no 
início do conto é percebida pelo leitor na inquietante situação que é apresentada 
pela narradora-personagem: “crescer, foi borrar-me aos poucos” (IZHAKI apud 
MOUTINHO, 2005, p. 69). O que deveria ser um ato naturalmente esperado com a 
alegria da idade é mostrado, no decorrer da narrativa, como algo triste que deprime 
a personagem e lhe tira a ansiedade de crescer e ser adulta. 
34 
Essa situação constrangedora a que é submetida acontecia sempre que é 
procurada por Alfredo, um rapaz que ela tanto desejava deseja como namorado. 
Porém, ele a expõe a uma realidade que jamais não faz parte do discurso de suas 
amigas. A vergonha de se sentir “usada” e depois “descartada” lhe  causa uma dor 
profunda: “Cedo, aprendi que era um erro crescer cedo demais” (Ibidem, p. 69). A 
cada episódio de sua vida, a menina-moça vê-se com mais pesar: 
 
Cedo, percebi que era impossível não crescer. Restou-me esconder 
em camisas largas e aparelho nos dentes, sábados desenhando 
felicidades e domingo assistindo a desenhos, até aparecer Alfredo e 
seu galanteio tradicional (Ibidem, p. 69). 
 
Tudo parece estar contra sua felicidade. As experiências negativas que tem 
com seu “pseudonamorado” trazem consigo uma falsa sensação de que aquela será 
a última vez que sofrerá por alguém, que na próxima experiência será diferente, 
contará para suas amigas e se sentirá realmente feliz. Porém, ela insiste sempre em 
um novo encontro com Alfredo, o rapaz que desde o começo não a leva a sério. 
Pensa que talvez ele tenha mudado, mas repete-se sempre a mesma decepção. Ela 
se dá contas que o moço a ilude em virtude de sua ingenuidade. A pressa e as 
desculpas que ele usa para livrar-se da menina são punhaladas que recebe pelos 
momentos de entrega: 
 
Novamente voltei correndo chorando, a vergonha que carregava 
comigo era também de outro, irradiava contagiosa. Luz apagada, 
travesseiro entre as pernas e uma inadequação permanente: muito 
feia, muito baixa, seios pequenos, usada, suja (IZHAKI apud 
MOUTINHO, 2005, p. 70). 
 
E, assim, enquanto as meninas de sua idade trocam confidências sobre seus 
relacionamentos, seus namoricos e possíveis futuros maridos, ela se afasta e se 
esconde em seu mundo tristemente marcado pelas lembranças que acumula. Tudo 
o que lhe ocorre só lhe causa vergonha e, por isso, não pode dizer a todos que 
também já tem algo para contar. 
Segundo Barros (2002a, p. 8), a “semiótica deve ser entendida como a teoria 
que procura explicar o ou os sentidos do texto pelo exame, em primeiro lugar, de 
seu plano de conteúdo”. Dessa forma, nesta análise do nível fundamental 
apontamos as oposições semânticas presentes neste conto. 
35 
 
P.C. FELICIDADE vs. TRISTEZA 
P.E. QUERER CRESCER vs. ARREPENDER-SE DE TER CRESCIDO 
 
• FELICIDADE →  NÃO-FELICIDADE → TRISTEZA 
 
Crescer foi borrar-me aos poucos, desatar o laço que as mãos fazem 
com os joelhos, desapegar de mim para outro, outros. Romper os 
limites negros da fronteira com o mundo, inundar de vermelho o 
branco enevoado da vida adulta (Ibidem, p. 69). 
 
De acordo com o “contrato” implícito no discurso social e histórico da sociedade 
burguesa, as meninas devem crescer para serem boas companheiras e boas 
esposas para que não sejam condenadas socialmente. No entanto, em nenhum 
momento, é mencionado o trajeto que a menina tem que percorrer para se tornar o 
que ela tanto deseja: uma mulher realizada no plano das relações amorosas. O olhar 
ingênuo da menina não consegue decodificar o jogo social que camufla 
comportamentos e cerceia a manifestação descomedida dos sentimentos. Nesses 
termos, a protagonista não atende às expectativas sociais, pois sua percepção 
também não entende que a condição de servidão, de exploração pelo “possível” 
companheiro está inscrita no código social. 
Da voz do enunciador depreendemos que na cultura ocidental, desde a 
Antiguidade, as mulheres são preparadas para serem boas mães e esposas, mas 
nunca, em nenhum momento, foi ensinado que elas devem ser felizes antes de 
qualquer coisa. A tradição concebe que “lugar de mulher é em casa e servindo ao 
marido”. A própria Bíblia Sagrada, considerada o livro da “verdade” por muitas 
religiões, diz na Epístola aos Efésios 2, 34-35: 
 
Sede submissos uns aos outros no temor de Cristo. As mulheres 
sejam sujeitas a seus maridos, como ao Senhor, porque o marido é 
cabeça da mulher, como Cristo é cabeça da igreja, seu corpo, do 
qual ele é Salvador. Ora, assim como a igreja está sujeita a Cristo, 
assim o estejam também as mulheres a seus maridos em tudo. 
 
Partindo do princípio de entrega total aos seus amados em uma visão cega de 
paixão, seria muito difícil que a menina conseguisse mudar sua própria maneira de 
enxergar o mundo. A oposição semântica mencionada faz referência exatamente a 
36 
essa falta de perspectivas nas mudanças em relação à mentalidade repressora a 
que as meninas são submetidas. “Querer crescer” vai além do desenvolvimento 
físico, faz menção ao crescimento pessoal, social e intelectual. 
Na década de 1960 e 1970, enquanto as mulheres instituiam o Movimento 
Feminista em uma demonstração de emancipação das culturas vigentes, criavam 
também a oportunidade de mudança dos paradigmas sociais com relação a sua 
própria criação; ou seja, elas iniciaram todo um processo de tentativa de conquistar 
as mesmas condições sociopolíticas que os homens. Dessa época em diante, 
conquistaram muitos espaços antes somente restritos ao público masculino, bem 
como a liberdade e alguns direitos. Esse feito tornou a mulher um indivíduo 
autônomo, independente e capaz, seja nas profissões e em cargos de chefia, seja 
no sustento da família. No caso da protagonista do conto, ela não tem nome. Ela 
representa metonimicamente as jovens desse período histórico que passaram pela 
mesma situação. 
Da análise das relações axiológicas presentes nas oposições semânticas 
citadas, podemos perceber a transformação do valor de euforia marcado pelo 
“querer crescer” no valor disfórico de “arrepender-se de crescer”: 
 
querer crescer ------ não querer crescer ------ arrepender-se de crescer 
  (euforia)                    (não euforia)                          (disforia) 
 
O ato de crescer, que deveria ser algo eufórico para a protagonista, é mostrado 
como um acúmulo de experiências negativas que fazem com que ela se arrependa 
de tê-las vivido. Assim, essa transformação torna-se disfórica. 
 
 
P.C. FELICIDADE vs. TRISTEZA 
P.E. SENTIR-SE MULHER vs. VONTADE DE SER CRIANÇA 
 
 
O conto apresenta ainda outras oposições marcadas na narrativa, como 
abordamos agora: 
 
O gosto daquele garoto de dezoito era amargo, cerveja e cachaça, e 
o nosso beijo baba espessa, salivosa, borbulhas brancas saindo pelo 
37 
canto da boca, e, mesmo assim, era bom, me sentia adulta, mulher, 
beijando um desconhecido. [...] Tive vontade de chorar, correr para 
minha cama e apertar meus ursinhos, cachorrinhos e gatinhos de 
pelúcia entre os seios e coxas. [...] Voltei para casa pesando 
vergonha, vermelho manchando calcinha e sonhos. Sujeira que os 
banhos não tiram. Cedo, aprendi que era um erro crescer cedo 
demais (IZHAKI apud MOUTINHO, 2005, p. 69). 
 
Nessas oposições, o que fica marcado é o peso que a menina carrega por 
estar crescendo e se tornando mulher. Devido às influências da idade e do 
ambiente, ela espera viver como suas amigas que tem sempre alguma história sobre 
namoricos para contar. Portanto, ela sonha em sair e encontrar alguém que a queira. 
Na sua busca ingênua e desejosa por se sentir mulher, entrega-se a um rapaz 
inescrupuloso. Apesar da experiência não lhe trazer prazer, a ansiedade por viver 
um mundo que a separe da infância e a introduza na maturidade faz com que aceite 
todas as situações às quais é exposta para superar, quem sabe, as barreiras da 
rejeição do seu grupo: “e, mesmo assim, era bom, me sentia adulta, mulher” (IZHAKI 
apud MOUTINHO, 2005, p. 69), avaliava a personagem. Desses encontros 
desastrosos para ela, surge com maior força a vontade de ter alguém que queira um 
relacionamento estável e seguro. 
 
sentir-se mulher ------ não sentir-se mulher ------ querer ser criança 
      (euforia)                      (não euforia)                       (disforia) 
 
Os momentos de euforia em que ela se sente uma mulher, como os poucos 
momentos em que está com Alfredo, não são suficientes para compensar a dor da 
vergonha que sente pelo que faz e a dor sofrida quando ele a abandona. O ritual é 
sempre reproduzido fielmente e mesmo assim a menina insiste naquela relação de 
muito pouco provável sucesso. Diante dos galanteios de Alfredo, a protagonista se 
rende, pronta para atender aos desejos do rapaz. Nesse processo de passagem da 
euforia para a disforia fica claro que ela não estava preparada para ser mulher, tanto 
fisicamente como emocionalmente. Por isso, essa realidade é sancionada como 
disfórica para ela. 
 
P.C. CONJUNÇÃO vs. DISJUNÇÃO 
P.E. “ESQUECER-SE DELA MESMA” vs. “ENCONTRAR-SE EM UM FILHO”
• CONJUNÇÃO  → NÃO-CONJUNÇÃO  → DISJUNÇÃO 
38 
 
No texto é apresentada uma situação de submissão por parte da menina que 
pretende alcançar seus objetivos. Como podemos observar em: 
 
[...] estava cansada de ser a outra, enjoada daquela opressão de 
quarto de motel barato, de sentir peso natimorto sobre mim. [...] Em 
maio a menstruação atrasou, e essa foi a melhor notícia. A minha 
vida seria ter aquele bebê; niná-lo, mimá-lo, escová-lo. O sentido era 
esse então, e não aquela mesquinharia de afeto (Ibidem, p. 71). 
 
A busca desesperada da moça mostrada até aqui para conseguir um namorado 
cessa a partir do movimento em que surge a ideia de um filho. Compreende que, 
com a maternidade, não será mais tão solitária e terá alguém que realmente estará 
com ela. Um namorado poderá abandoná-la a qualquer momento, mas um filho não 
a abandonará porque será dependente dela. A personagem percebe, nesse 
momento, que enquanto continuar se anulando para forçar um relacionamento não 
vai encontrar sua felicidade. Ela entende que somente um filho vai livrá-la daquela 
vergonhosa conjuntura de submeter-se a situações humilhantes em cantos e quartos 
de motel baratos na tentativa de conquistar um companheiro. A presença de um filho 
lhe trará mais do que companhia, é a garantia de ter alguém para poder se dedicar e 
para lhe proporcionar o prazer de desfrutar do instinto maternal, sentimento que 
jamais a dominou antes desse processo de conscientização. Portanto, a experiência 
que viveu até aquele momento passa a ter outro valor. 
 
esquecer-se dela mesma ------ não esquecer-se ------ encontrar-se 
(disforia)                         (não disforia)                (euforia) 
 
Somente no momento em que ela se percebe como sujeito de seu destino 
passa a ter mais motivação em sua vida. Um filho lhe traria a redenção tão 
esperada. Dessa maneira ela passa a ter, pelo menos no plano do desejo, uma 
sensação eufórica. 
Nessa nova etapa de sua vida, porém, ela percebe que não é tão fácil 
encontrar um possível progenitor para seu filho. 
 
 
P.C. SOLIDÃO vs. COMPANHIA 
39 
P.E. “ENTREGAR-SE PARA TANTOS” vs. “ENTREGAR-SE AO BEBÊ” 
 
• SOLIDÃO → NÃO-SOLIDÃO  → COMPANHIA 
 
Instala-se, então, na narrativa, a oposição deste item. 
 
Cada rosto na rua um pai, beijo de língua sêmen, dia passado 
espera, mês menstruado não. Nessa altura já conversava com a 
minha barriga, sonhava com os olhos castanhos, ousava imaginar 
verdes, quem sabe. Esperava que ele berrasse minha presença em 
choro todas as noites e o apertaria junto ao peito e lhe daria de 
mamar com a certeza de que meu filho precisava de mim. De mim 
(IZHAKI apud MOUTINHO, 2005, p. 72). 
 
O instinto maternal ajudará a personagem não só a se encontrar como pessoa, 
mas também a ajudaria a ter a felicidade há tanto desejava. Talvez compensasse 
tudo o que viveu até ali. Quando ela se dá conta disso, não mede esforços para 
concretizar esse novo sonho. Mais uma vez, mas de maneira intensificada, entrega-
se a todos os homens que pode. Sua compulsão é maior que seus pudores e a 
imagem que cria de si por causa desse comportamento já não lhe importa mais. 
Quer a qualquer custo ter um filho. Até aquele momento ela se entregara para 
muitos para satisfazer seu desejo de ter companheiro, agora ela procurava um 
parceiro pelo desejo de ter um filho. 
 
entregar-se para tantos ------ não entregar-se mais ------ entregar-se ao filho 
(disforia)                            (não disforia)                     (euforia) 
 
A concretização da maternidade a libertará de tudo o que precisou suportar até 
aquela ocasião. Enquanto tenta encontrar um companheiro para sentir-se adulta, 
vive uma realidade disfórica. Somente quando redireciona seu objetivo ela passa 
viver um momento de euforia. 
 
 
P.C. APARÊNCIA vs. REALIDADE 
P.E. “POSE DE QUEM NADA  SOFREU” vs. “MORRER AOS POUCOS” 
 
• APARÊNCIA  → NÃO-APARÊNCIA  → REALIDADE 
40 
A última oposição semântica que analisamos mostra, porém, que tudo o que a 
personagem faz não é suficiente para alcançar seus sonhos. Prevalecem todas as 
situações negativas que ela experimentou: 
 
Nesse ambiente de paredes vermelhas me aqueço, nesta penumbra 
viscosa me escondo, cada vez que me levam morro mais um pouco, 
sem direito a renascer de olhos verdes ou perdão pelas escolhas que 
não fiz. [...] Crescer tem essa vantagem, viver deixa essa condição, 
olhos negros de desafio, rímel à prova de choro, pose de quem sabe 
tudo e nada sofreu. Mas é apenas isso, pose, mentira, mãos 
enlaçando joelhos, autoproteção (IZHAKI apud MOUTINHO, 2005, p. 
73-74). 
 
O conto apresenta a trajetória predominantemente disfórica a que é submetida 
a personagem dominada por sonhos desde a abertura da narrativa, e que foi 
dissuadida de encontrá-los. Ela tenta, de todas as maneiras, realizar seus objetivos 
e, por isso, entrega-se, anula-se, faz o que é necessário, mas mesmo assim não 
consegue ser feliz. Em nenhum momento há alguém para orientá-la ou protegê-la 
“dos seus próprios sonhos” (IZHAKI apud MOUTINHO, 2005, p. 70) já que é por 
causa deles que entra em uma espiral centrípeta que a conduz a sua ruína. 
No conto em análise, as situações de oposição semântica são percebidas 
desde o início e durante todo o desenvolvimento da narrativa. Há um predomínio 
muito grande dos aspectos negativos marcados pela disforia da vida que a moça 
leva. A busca desesperançosa e desesperada por braços e corpos de estranhos que 
possam conduzi-la a algum momento de felicidade reforça a total falta de afeto que 
marca sua vida. Em nenhum momento ela recebe conselhos, carinhos ou proteção. 
Toda a sua vida foi um desenrolar de situações depreciativas. 
O discurso social que determina a postura dos indivíduos, principalmente das 
mulheres sempre as coagindo a proceder de tal forma em dadas situações, não 
ensina como a protagonista, cheia de sonhos e sozinha, deve agir em um ambiente 
que em nada favorece seu desenvolvimento. O discurso social não é feito para o 
naїf8. Somente aquele que tem consciência das regras de seu jogo se salvaguarda 
de sofrer grandes frustrações. 
 
No nível narrativo é analisada a organização textual sob o ponto de vista de um 
sujeito que, a partir de um estado inicial, faz ou sofre uma transformação. Neste 
                                                 
8 Naїf é um termo em francês que se refere a uma pessoa ingênua. 
41 
momento ainda se analisam as ações, os enunciados de estado e de fazer, além do 
percurso narrativo das personagens. 
A personagem é retratada no conto como uma adolescente ansiosa por crescer 
e ser mulher. No ponto inicial, a menina é sujeito e é assujeitada pela sua própria 
vontade. Ela sofre uma situação que foi criada por ela mesma e que a empurra para 
os braços de um rapaz sem escrúpulos, um pouco mais velho, que a engana e em 
nenhum momento demonstra outro tipo de interesse que não seja sua satisfação 
pessoal. 
A narrativa que se segue mostra a transformação dessa personagem que 
primeiro é privada de um amor, e depois parte em busca de sua realização como 
mulher e mãe. Nesse trajeto ela carrega o sentimento de culpa por todas as vezes 
que não vive uma experiência de um verdadeiro amor. A esperança de que sua 
sorte mude faz com que tente desesperadamente encontrar carinho, compreensão e 
companhia em qualquer tipo de ambiente e com qualquer homem que consiga 
seduzi-la. Ela deseja algo que não tem, ou seja, está em disjunção com seu objeto 
de valor: o amor. 
Essa busca desenfreada atira-a em vários braços, porém, ela percebe nesse 
percurso desesperador que não é com um homem que será feliz, pois experimentou 
tanto essa situação até o momento e não encontrou o que sonhava. Toma 
consciência de que deve ter um filho já que ele dependerá dela e, portanto, não irá 
abandoná-la como fizeram todos os homens com quem se relacionou. Uma criança 
dependerá dela como mãe, não como um amante. Ela acredita que um filho vai lhe 
trazer a segurança e a paz que tanto deseja. 
Suas inúmeras tentativas frustradas de engravidar a conduzem por um 
caminho sem volta. Ela agora tenta desesperadamente encontrar alguém que lhe dê 
segurança e um filho: “Não era mais segredo, mesmo os mais novos me 
procuravam, calados, e eu só queria nos dias certos, senão era pecado, religiosa de 
ocasião, poderia acabar tendo uma filha” (IZHAKI apud MOUTINHO, 2005, p. 72). 
Como última tentativa para conseguir realizar o sonho de ter um filho, ela pensa em 
roubar uma criança no berçário onde trabalha e percebe que não tem coragem para 
isso, mas também porque ela mesma quer conceber seu filho. Mais tarde, após tudo 
o que fez e decepcionada com sua vida, transforma-se em uma prostituta. 
Neste nível denominado “nível das estruturas narrativas”, as oposições vistas 
no nível anterior, o fundamental, são assumidas como valores pelo sujeito, o 
42 
actante. Segundo a teoria semiótica, há neste nível dois tipos de enunciados: de 
estado e de fazer. Isso ocorre por meio do percurso greimasiano: manipulação, 
competência, performance e sanção. As transformações ocorridas pelas ações do 
sujeito e do objeto resultam na narratividade ao texto. 
No processo de manipulação, quando um sujeito age sobre outro para 
convencê-lo a fazer ou a querer algo, temos a maneira como se dá a ação. No caso 
do texto em análise, desde o princípio da narrativa a menina é manipulada pela 
própria vontade de ter alguém, ou seja, o seu desejo a impulsiona a querer a todo 
custo realizar esse capricho. Seu impulso é acentuado pelo fato de todas as 
meninas do colégio terem uma relação para comentar e, como é próprio da idade, a 
menina é facilmente influenciada por todos os estímulos ao redor. 
No decorrer da narrativa, apresenta-se uma sucessão de fatos criados pela 
personagem com a finalidade de conquistar os seus desejos. Ela se utiliza de 
técnicas de sedução para atrair os homens ao seu redor e para se sentir desejada, 
ou seja, ela manipula por sedução, como define Fiorin em seu livro Elementos de 
Análise do Discurso (2006a, p. 31). Essa atitude é intensificada quando ela percebe 
que não adianta ter os homens ao seu lado, pois eles só querem a satisfação dos 
desejos sexuais e não demonstram nenhuma intenção de terem um relacionamento 
mais sério. Ela acredita que se tiver um filho com um deles a criança lhe será leal. 
Por isso, parte para uma nova corrida desesperada atrás de seu novo objetivo e, 
mesmo assim, utiliza de sua competência de seduzir. 
Para alcançar seu objetivo, a protagonista transforma sua busca em uma 
obsessão. Ela sabe o que tem que fazer e de que maneira isso deve ser feito, 
portanto, tem competência para realizar sua busca. Conhece o que buscar e onde 
buscar. Competência, aqui, é entendida como a capacidade que o sujeito tem para 
realizar uma transformação narrativa. Neste caso, conquistar um homem, o futuro 
pai de seu filho. 
Esse processo de manipulação aliado à competência adquirida pela moça 
durante a narrativa é o que Fiorin (2006a, p. 31) chama de performance. Isso 
significa que no momento em que ela percebe que deve ter um filho e não um 
amante consegue um emprego em uma maternidade, lugar onde terá um contato 
maior com seu objeto de desejo. Essa transformação, representada na narrativa 
como a mudança de emprego, mostra o percurso que é realizado pela mulher para 
entrar em conjunção com seu objeto de valor: a criança. 
43 
O texto mostra que da mesma forma que ela manipula os homens a sua volta, 
desde o princípio também é manipulada pelas próprias vontades. As ações 
irracionais que realiza durante toda a trama para concretizar os seus sonhos não 
podem lhe oferecer um final diferente. Ela é vítima de uma veleidade que a leva a 
transformar-se em uma prostituta, ou seja, a sanção dos seus atos é disfórica, pois 
ela termina sua trajetória em disjunção com os sonhos que tanto deseja. 
Segundo Barros (2002b, p. 31): 
 
O programa narrativo constitui-se de um enunciado de fazer que rege 
um enunciado de estado. Ao integrar os estados e as 
transformações, o programa narrativo, e não o enunciado, deve ser 
considerado a unidade operatória elementar da sintaxe narrativa. 
 
Dessa maneira a representação abaixo mostra, por meio do programa 
narrativo9, que o enunciado de estado é o resultado da transformação ocorrida com 
o sujeito: 
 
F = função 
→ = transformação 
S1 = sujeito do fazer 
S2 = sujeito do estado 
∩ = conjunção 
U = disjunção 
Ov = objeto-valor 
 
PN = F[S1 → (S2 U Ov)] 
F[S1 → (S2 U Ov)] 
 
PN1 = F (encontrar um namorado) 
[S1 (menina) → S2 (menina) U Ov (namorado)] 
 
PN2 = F (ter um filho) 
[S1 (mulher) → S2 (mulher) U Ov (filho)] 
 
O que podemos concluir a partir dos programas narrativos é que prevalece a 
disjunção com o objeto-valor. No primeiro caso, a menina quer um namorado e tenta 
convencer o rapaz (Alfredo) a namorá-la, no entanto, é ineficaz com ele e com todos 
os rapazes com quem tenta se relacionar. No segundo exemplo, agora como uma 
mulher, ela quer ter um filho para livrar-se da solidão e tenta engravidar com todos 
os médicos residentes do local onde trabalha e outros estranhos com quem tem 
                                                 
9 Modelo extraído do livro: BARROS, Diana Luz Pessoa de. Teoria semiótica do texto. São Paulo: 
Ática, 2002a. 
44 
oportunidade. Mesmo assim não realiza esse outro sonho, ou seja, ela começa e 
termina o texto em disjunção com os valores que tanto quer. 
 
Aqui se analisam os efeitos de ilusão e de subjetividade produzidos pelo sujeito 
da enunciação. Este é o nível menos superficial do discurso já que suas estruturas 
são mais específicas, complexas e ricas semanticamente do que nas duas 
estruturas anteriores: as fundamentais e as narrativas. Este é, portanto, um patamar 
em que a narrativa é “enriquecida”. É, antes de tudo, determinação do modo como 
se constrói o texto, as projeções da enunciação, os efeitos de proximidade ou 
distanciamento, e as relações argumentativas entre o enunciador e o enunciatário. 
O conto em análise é narrado em primeira pessoa: “Crescer foi borrar-me aos 
poucos, desatar o laço que as mãos fazem com os joelhos, desapegar de mim para 
outro, outros” (IZHAKI apud MOUTINHO, 2005, p. 69). Do ponto de vista da 
enunciação, o enunciador transmite uma projeção do eu-aqui-agora dando lugar a 
uma debreagem enunciativa. 
Para Barros (2002a, p. 57-58): 
 
O narrador é o delegado da enunciação no discurso em primeira 
pessoa. O sujeito da enunciação atribui ao narrador a voz, isto é, o 
dever e o poder narrar o discurso em seu lugar. Assim instalado, o 
narrador pode, por sua vez, ceder internamente a palavra aos 
interlocutores 
 
Essa abordagem feita pelo narrador mostra a maneira como o enunciador, 
projetado em um narrador em primeira pessoa, escolhe para relatar o conto e dar 
uma ideia de (falsa) verdade para a história. Esse recurso é adotado pelo 
enunciador para transmitir um conceito de proximidade com o objeto da enunciação, 
e tem a intenção de convencer o enunciatário dessa verdade apresentada. 
Todo texto é produzido com uma intencionalidade criada pelo enunciador com 
o intuito de parecer verdade que nem sempre é apreendida pelo enunciatário, pois 
este não lê da mesma maneira que o primeiro espera que aconteça. A análise do 
discurso tem justamente como objetivo reconhecer esses desígnios que, às vezes, 
não ficam tão claros para o destinatário do discurso. É a busca por uma 
interpretação mais próxima da verdade, segundo todos os indícios encontrados no 
discurso, que permite ao leitor perceber a verdadeira significação de um texto. Por 
isso, a análise discursiva acontece em diferentes níveis, podendo ser interpretada 
45 
diferentemente em cada um deles e resultando em uma leitura diversa segundo o 
conhecimento de mundo de cada leitor. De acordo com Barros (2002a, p. 62) “a 
manipulação do enunciador exerce-se como um fazer persuasivo, enquanto ao 
enunciatário cabe o fazer interpretativo e a ação subseqüente”. Assim, o 
reconhecimento das intenções de manipulação é verificado pelos mecanismos 
adotados pelo enunciador que permitem que o leitor perceba a verdadeira intenção 
do autor. 
Ainda segundo Barros, são dois os processos semânticos do discurso: a 
tematização e a figurativização. Esses recursos fornecem ao enunciador os 
mecanismos necessários para conseguir o seu efeito de sentido de realidade. 
Durante a narrativa, o sujeito enunciador apresenta alguns valores ideológicos que 
são disseminados como percursos temáticos e recebem os investimentos figurativos. 
Dessa maneira, a coerência semântica do discurso é assegurada e o enunciador 
conseguirá concretizar a figurativização do conteúdo apresentado. 
O texto em análise pode ser considerado como temático-figurativo, pois 
desenvolve uma ou mais linhas temáticas em que as categorias semânticas são 
disseminadas de modo abstrato, mas aparecem com cobertura “figurativa”; isto é, as 
figuras são utilizadas para concretizar os temas abordados. Assim, o conto pode ser 
considerado pluri-isotópico, pois desenvolve várias leituras temático-figurativas. 
Vejamos: 
 
• Leitura da desilusão com as pessoas: “Novamente voltei correndo chorando, a 
vergonha que carregava comigo era também de outro, irradiava contagiosa” 
(IZHAKI apud MOUTINHO, 2005, p. 70). A personagem quer acreditar que o 
rapaz mudou e que não a tratará mais como antes, mas percebe que certas 
coisas nunca mudam, pelo menos não para melhor. Assim, a desonra que 
sente em virtude de todo o discurso cultural que diz que a mulher deve casar-
se virgem, por exemplo, faz com que ela tenha vergonha de ter se sujeitado 
mais uma vez a uma pessoa que não lhe traz nenhum bem, ao contrário, só lhe 
traz mais pesares. 
 
• Leitura da indiferença sofrida pela mulher: “Minha mãe tinha morrido e meu pai 
levou-me um dia ao médico, sem dizer palavra, esboçar carinho, pronunciar 
seu maior medo. Subiu no elevador comigo e disse que dali não passava, para 
46 
eu pagar a consulta com o cartão do plano de saúde e voltar de ônibus. Achou 
que eu estava grávida” (IZHAKI apud MOUTINHO, 2005, p. 70). A maneira 
como a protagonista é tratada no conto reflete, de certo modo, a forma como a 
maioria das mulheres se relacionam com o ambiente ao redor. A falta de 
sensibilidade no relacionamento com a filha é demonstrada no momento em 
que o pai a deixa sozinha no consultório e, em um ato de vergonha, pede que 
ela volte de ônibus para casa. Para ele, a probabilidade de a filha estar grávida 
é pior do que se estivesse doente. Esse procedimento ressalta ainda mais a 
sua notória incapacidade de educar a filha. 
 
• Leitura da falta de limites para se alcançar um objetivo: “Batizei cada período 
fértil com um médico, residente. Não era mais segredo, mesmo os mais novos 
me procuravam, calados, e eu só queria nos dias certos, senão era pecado, 
religiosa de ocasião, poderia acabar tendo uma filha” (Ibidem, p. 72). A 
obsessão que desenvolve por ter um filho faz com que a jovem personagem 
use os valores da sociedade segundo uma lógica própria. Ela se entrega sem 
remorsos a todos que a procuram. No entanto, sente que com a concepção do 
filho poderá se redimir de todos os atos que infringiram o código social. No seu 
raciocínio, a vida não pode ficar pior do que está, por essa razão, ter um filho é 
seu último recurso na tentativa paradoxal de consertar sua realidade. 
 
• Leitura da falta de perspectiva da protagonista: “Deixei a fragilidade debaixo de 
outros corpos, a ingenuidade esvaiu-se em líquidos – esperma, sangue, saliva. 
Não procure em mim aquilo que um dia fui” (Ibidem, p. 74). Na tentativa 
frustrada de alcançar seus objetivos, ela desiste de viver. Não consegue um 
companheiro, um filho ou uma vida de felicidade. Sua vida é marcada por 
situações agonizantes e desencorajadoras, mas a falta de oportunidade ou de 
orientação faz com que ela entre nessa situação caótica. A protagonista desiste 
de lutar pela vida e espera passivamente sua morte física, pois sua alma há 
tempos havia morrido. 
 
Podemos concluir do exame dos temas depreendidos que existe a 
predominância da disforia. Como percebemos, há uma ênfase muito grande nos 
aspectos negativos marcados pela disforia da vida que a personagem leva. A busca 
47 
desesperançosa por braços e corpos de estranhos que a conduzam a algum 
momento de felicidade e a total falta de afeto que marcam sua vida são os aspectos 
negativos desta narrativa. 
Este conto retrata a situação de uma personagem que sofre desde muito cedo 
por ser demasiado ingênua e por acreditar inteiramente nas pessoas. Ela tem um 
sonho como toda menina, mas permanece em disjunção com ele. Sofre não apenas 
porque acredita no outro, mas porque na sua adolescência e juventude não teve 
amparo e orientação. Mesmo assim, em quase todo o seu percurso de vida, é 
incansável na busca pela felicidade.  
 
48 
 
3 ANÁLISE SEMIÓTICA DA PINTURA “AS GÊMEAS”, DE ALBERTO 
GUIGNARD, E DO CONTO “LEITE EMPEDRADO”, DE FABRÍCIO 
CARPINEJAR 
 
 
3.1 O PERCURSO GERATIVO DE SENTIDO NA PINTURA10 
 
 
 
 
Alberto da Veiga Guignard (1896-1962) foi um dos maiores artistas plásticos 
brasileiros. Teve uma vida de devoção à arte, aos amigos, ao ensino, à 
contemplação da natureza e à delicadeza em sua transposição. Pintou, entre outras 
telas, “As gêmeas” da coleção do Museu Nacional de Belas Artes, prêmio no XLVI 
Salão Nacional de Belas Artes. Esta obra tem sido exposta no Louvre (França), no 
Museu de Arte Moderna de Nova Iorque, no Museu de Arte Moderna de Tóquio, e 
em museus de cidades do mundo inteiro, como Roma, Viena, Berlim, Itália e todo o 
restante da Europa. 
A prancha retrata as irmãs Léa e Maura sentadas em um sofá marrom ornado 
com linhas que mostram o entalhe na madeira. Ao fundo temos como paisagem os 
                                                 
10 Imagem escaneada do livro: MOUTINHO, Marcelo (org.). Contos sobre tela. Rio de Janeiro: 
Pinakotheke, 2005. 
49 
prédios, casarões e igrejas ricamente detalhadas em seu estilo barroco. A natureza 
se faz presente por meio da vegetação que emoldura desde os morros até as 
moradias. Na parte superior da tela, o céu azul escuro é encoberto por muitas 
nuvens que variam entre o branco e o cinza e retratam o céu de um dia de inverno. 
Também pela pouca luz na cena, podemos deduzir que é um fim de tarde. 
Em destaque temos as irmãs que usam vestidos brancos decorados com 
pequenas flores vermelhas. Ambas têm as mãos no colo, uma sobre a outra. Elas 
demonstram que, apesar de estarem posando para a pintura, não estão à vontade já 
que seus olhares mostram seriedade, ou por que lhes foi pedido ou foi por causa da 
situação de exposição. A maneira como foram retratadas mostra como o enunciador 
as via; a primeira delas demonstra estar mais à vontade, por ser mais extrovertida ou 
por ter mais intimidade com o artista? E a segunda irmã? Parece retraída pelo fato 
de a primeira “estar tão à vontade com o pintor”, ou por que a tensão criada por esta 
retratação deixou-a assim? Uma olha diretamente para o seu observador, seu corpo 
está voltado para frente e as mãos estão cruzadas sobre o colo. A outra parece 
menos constrangida visto que está mais recuada no sofá, seu corpo está de lado e 
seu olhar não mira diretamente o observador, como um sinal de desconfiança. No 
quadrado semiótico podemos observar: 
 
 
 
           HOMOGÊNEO                                                         HETEROGÊNEO 
           MONOCROMÁTICO                                                      COLORIDO 
HORIZONTAL                                                           VERTICAL 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
NÃO – HETEROGÊNEO                                             NÃO – HOMOGÊNEO 
NÃO – COLORIDO                                                      NÃO – MONOCROMÁTICO 
NÃO – VERTICAL                                                        NÃO – HORIZONTAL 
 
 
 
50 
 
• HOMOGÊNEO → NÃO-HOMOGÊNEO → HETEROGÊNEO 
Na categoria eidética observamos a homogeneidade compositiva da cidade em 
segundo plano, conjunto que se opõe às duas irmãs sentadas no sofá de madeira, 
que mesmo sendo irmãs e com roupas parecidas, formam uma imagem destoante 
daquela ao fundo. 
 
• MONOCROMÁTICO → NÃO-MONOCROMÁTICO → COLORIDO 
O multicolorido utilizado na representação pictórica da cidade está em oposição ao 
monocromatismo dos vestidos das duas irmãs. Neste percurso opositivo podemos 
observar que a afirmação do monocromático (das irmãs) é a negação do colorido 
(cidade), ou de maneira inversa, o resultado será o mesmo, o que ratifica a intenção 
do enunciador em projetar as duas irmãs em primeiro plano. 
 
• HORIZONTAL  → NÃO-HORIZONTAL  → VERTICAL 
Na categoria topológica observamos a horizontalidade do sofá, nas linhas das 
janelas, dos traços (imaginários) que marcam os olhos e a boca das irmãs e da 
mureta que quase não aparece na pintura, em oposição a verticalidade das 
construções, dos corpos das protagonistas, do encosto do sofá e de uma linha 
(imaginária) que separa as duas irmãs.  
 
A semântica do nível fundamental abriga a organização estrutural mínima, 
onde os elementos constitutivos de sentido são analisados individualmente e em 
conjunto, apontando sua oposição ou proximidade sígnica. Trata-se, pois, da relação 
isotópica entre dois elementos em um mesmo eixo semântico. 
Na prancha em análise, os elementos de oposição partem não só das cores ou 
das formas, mas das próprias irmãs retratadas. Existe um conflito latente sob aquela 
aparente igualdade, na verdade, completamente desigual e quase antagônica. Há 
uma tensão clara que as mantêm presas ao pequeno sofá soturno. 
O nascimento de gêmeos confirma a possibilidade de a matéria se duplicar, se 
(re)afirmar por meio de si mesma. Pintar gêmeos é pintar o mesmo duas vezes. 
Desse ponto de vista, aproximar idealmente as diferenças entre os gêmeos seria, 
talvez, um risco. O artista parece apontar propositalmente como elas são diferentes, 
apesar de tudo. Nasceram juntas, sempre conviveram e, protegidas pelo ideal 
51 
estético da família burguesa, vestem-se igualmente mesmo sendo diferentes. A 
diferença entre as gêmeas é uma espécie de referência simbólica a esse abismo 
entre o mesmo e o mesmo do mesmo, entre a coisa e sua representação. 
Outras oposições que aparecem na análise desta tela são discutidas a seguir. 
 
 
P.C. IDENTIDADE vs. ALTERIDADE 
P.E. AS CORES CLARES vs. CORES ESCURAS
 
• IDENTIDADE  → NÃO-IDENTIDADE →  ALTERIDADE 
 
A obra pode ser analisada sob dois enfoques que incluem o fundo que retrata 
uma cidade com muitos casarões de estilo barroco com seus telhados adornados e 
as fachadas ricamente trabalhadas. No primeiro plano, temos as figuras das irmãs 
sentadas em um banco marrom escuro que possui uma textura no entalhe do seu 
encosto. A imagem apresenta uma atmosfera úmida com cores fortes ao fundo que 
retratam um céu de azul intenso cheio de nuvens carregadas; também vemos os 
casarões em tom pastel que ora estão iluminados, ora estão escurecidos pela 
sombra das nuvens. As duas irmãs se destacam pela cor escura do banco que 
utilizam e, principalmente, pelo tom de branco matizado de vermelho do vestido que 
vestem. Essa combinação de cores concentradas cria um cenário contemporâneo 
encontrado nas pinturas pós-impressionistas. Isso quer dizer que o artista não se 
preocupou em manter os elementos naturalistas que expressam as mínimas 
variações de luz, mas em expor um todo que se equilibra nas formas, na arquitetura 
e nas tonalidades. 
O contraste cromático entre o fundo composto de cores escuras está em 
oposição às figuras principais em primeiro plano, que são realçadas pelas cores 
claras dos vestidos. Percebemos que o artista se desdobrou na representação das 
pregas do vestido, da estamparia delicada, do branco perolado que realça a firmeza 
fluida das linhas escuras que contornam as dobras do pano e os braços das 
modelos. Essa técnica destaca a importância das moças em relação ao segundo 
plano que mostra a cidade. 
 
52 
P.C. IDENTIDADE  vs. ALTERIDADE 
P.E. HORIZONTALIDADE vs. VERTICALIDADE
 
• HORIZONTALIDADE  → NÃO-HORIZONTALIDADE  → 
VERTICALIDADE 
 
Uma das características observadas no estilo de Guignard é a maneira como 
ele constrói as imagens sobrepondo cores e imagens. Tal técnica pode ser 
observada quando são estudadas as duas representações presentes na obra “As 
gêmeas”. No primeiro plano o artista registra detalhadamente as duas irmãs 
sentadas em um sofá de madeira entalhada. No fundo dessa primeira imagem, 
temos uma cena cotidiana da época em que a pintura foi realizada. Existe nesse 
espaço pictórico uma sobreposição das linhas verticais que contornam os prédios, 
igrejas e sobrados em oposição à horizontalidade marcada pelo assento e pelo 
encosto do sofá, pela parte do piso que aparece na base da tela e pela mureta atrás 
das irmãs. 
A linha da cintura das modelos está igualmente sobre esse eixo de oposição, 
de modo que a ambiguidade quanto ao espaço não acontece apenas por causa do 
fundo. Se a verticalidade apreendida da prancha denota a verticalidade dos centros 
urbanos ou se significa estar no prumo, equilibrado, é possível que no plano de 
conteúdo isso queira dizer honestidade, coerência de valores e justeza que são 
valores eufóricos. 
Já a horizontalidade representa o que é horizontal e paralelo ao horizonte, ou 
seja, o ponto de intersecção com o vertical. O horizonte é definido como a linha 
aparente ao longo da qual, em lugares abertos e planos, observa-se que o céu 
parece tocar a terra ou o mar. Quando as duas são utilizadas concomitantemente, 
mostram em seu conjunto que causam um equilíbrio. Se predominasse a 
verticalidade ou a horizontalidade, o artista não conseguiria o mesmo efeito que 
alcança nesta pintura. Portanto, mesmo que seja possível estudar separadamente 
essa sobreposição de imagens isolando o primeiro plano com o sofá e as moças e 
estudando o segundo plano representado pela cidade e seus prédios, interpretar a 
obra em sua totalidade é o único meio de apreender o discurso do artista. 
 
 
53 
P.C. HOMOGÊNEO vs. HETEROGÊNEO 
P.E. FORMAS ARREDONDADAS vs. FORMAS ANGULOSAS 
 
• HOMOGÊNEO → NÃO-HOMOGÊNEO → HETEROGÊNEO 
 
Nesta pintura predominam as linhas retas e as formas angulosas, porém elas 
são atenuadas pela presença das curvas discretas das nuvens e das moças. As 
formas angulosas são muito marcadas nos prédios, casarões e, principalmente, na 
linha imaginária que divide horizontalmente o sofá onde estão as irmãs, dando a 
falsa impressão de simetria. 
Um leitor desatento da imagem das irmãs pode pensar que são semelhantes, 
mas em um segundo momento de observação é possível perceber as diferenças 
marcantes entre ambas. Sentadas no sofá, as duas gêmeas são tão parecidas 
quanto diferentes. Uma é simétrica, relaxada, voluptuosa, penetrante; a outra é 
angulosa, tensa, seca, crítica. A posição dos cotovelos das duas mostra a formação 
de um ângulo que segundo Weil e Tompakow (1997, p. 241) quer dizer 
metaforicamente: “mantenha distância”. 
 
 
Nesta etapa da análise são estudadas as transformações na narrativa sob o 
ponto de vista de um sujeito. No caso desta análise, analisamos as ações das irmãs 
retratadas na pintura. 
De acordo com os estudos de Barros (2002a, p. 16): 
 
As estruturas narrativas simulam, por conseguinte, tanto a história do 
homem em busca de valores ou à procura de sentido quanto a dos 
contratos e dos conflitos que marcam os relacionamentos humanos. 
 
No estudo da pintura é necessário que se explore o plano de conteúdo 
observado nos elementos construtores das imagens, ou seja, a maneira como o 
artista os utilizou para empregar sua expressividade. Somente com a observação 
das técnicas visuais e dos mecanismos utilizados para compor sua prancha é que 
será possível fazer a interpretação desta obra. Estudamos, portanto, as figuras, as 
cores, o ambiente e o modo como todos esses elementos estão estruturados para 
mostrar a narratividade da cena do quadro. 
54 
A pintura retrata as duas gêmeas sentadas em um sofá de madeira entalhada. 
Elas demonstram, por meio de suas expressões e gestual, o modo como o artista as 
vê. Ao fundo, como se houvesse uma abrupta diferença de altura após a mureta, 
descortina-se uma paisagem urbana um tanto fantástica que talvez conserve ainda 
um eco do que foi e do que é o bairro carioca de Laranjeiras. Vemos campanários, 
prédios coloniais, sobrados, praças, palmeiras, uma mata nativa que desce dos 
morros e que convive com as construções. Acima de tudo isso, há um céu 
escurecido e povoado por nuvens carregadas. Abaixo e em primeiro plano, 
encontram-se as duas irmãs postadas para o seu retrato pela pintura. A primeira, a 
da esquerda, está sentada e apoiada no encosto do sofá, tem as mãos cruzadas 
sobre o colo, a expressão séria imprime ao seu gestual uma intenção de expor-se na 
reprodução plástica como quem domina a situação. A outra parece um pouco menos 
à vontade já que suas pernas e tronco desviam-se da direção dos olhos do seu 
observador. Para conservar a frontalidade, ela move apenas a cabeça, deixando 
claro seu desconforto nessa posição. Suas mãos também estão cruzadas sobre o 
colo como um meio de proteção e insegurança. Nessa cena, observamos que elas 
foram colocadas nessa posição para que pudessem ser retratadas. Porém, está 
claro segundo suas posturas que não lidam com essa situação da mesma maneira. 
Talvez pela presença do artista, um estranho que as observa detalhadamente para 
extrair suas formas, ou pelo constrangimento de atuar como modelo para o ato 
criador. 
Na maioria dos retratos, há dois olhares envolvidos: o de quem olha e o de 
quem é olhado. O espectador é um pouco de cada coisa, assim como o retratado. 
Aqui, há um terceiro olhar. Um olhar oblíquo que está ciente dos outros dois e que, 
de algum modo, olha esse olhar e fixa-se exatamente no vácuo daquela 
correspondência em retratá-las e mostrá-las para as outras famílias como 
representações pelo prisma de um artista importante e reconhecido naquela época. 
Os valores eufóricos não são os mesmos partilhados pelas irmãs. O que para eles 
representa um valor de reconhecimento social, de status, para as meninas 
representa uma invasão da sua intimidade; ou seja, é um valor altamente disfórico. 
Pelo exposto acima, o texto em análise tem os seguintes enunciados: 
 
• Enunciado de estado: os sujeitos “gêmeas” mantêm relação de junção com o 
conforto que tem em sua casa, o status conseguido pela posição política e 
55 
social do pai, bem como a segurança que a privacidade familiar pode 
proporcionar. 
 
• Enunciado de fazer: os sujeitos “pais” transformam a relação de junção das 
meninas com os objetos de segurança e privacidade quando as obrigam a 
posarem de modelo para um estranho. 
 
Na pintura em análise, encontram-se os seguintes enunciados de fazer e de 
estado: 
 
• Enunciado de estado conjuntivo: S ∩ O 
S (gêmeas) ∩ O (segurança e privacidade) 
PN1= F[S¹ → (S² ∩ Ov)] 
 
• Enunciado de estado disjuntivo: S U O 
S (gêmeas) U O (segurança e privacidade) 
PN2= F[S¹ → (S² U Ov)] 
 
F= função 
→ = transformação 
S¹ = sujeito do fazer (os pais) 
S² = sujeito do estado (as gêmeas) 
∩ = conjunção 
U = disjunção 
Ov = objeto-valor (segurança e privacidade) 
A organização narrativa é temporalizada, espacializada e actorizada. Para 
simplificar, as ações e os estados narrativos são localizados e programados 
temporal e espacialmente, e os actantes narrativos são investidos por categorias de 
pessoa. 
O discurso é um objeto da enunciação criado pelo sujeito da enunciação, por 
isso existe a necessidade de se observar todos os elementos utilizados na 
constituição desse enunciado, pois trazem toda a intencionalidade de quem produz o 
discurso. No discurso, os valores do nível narrativo estão na forma de percursos 
temáticos que podem ser investidos e concretizados em figuras. Do ponto de vista 
desse vórtice ótico que deve coincidir com o olhar do observador, tudo se organiza 
56 
referencialmente, ou seja, tudo é idealmente referido à distância que está de um 
olhar rápido sobre a cena retratada. 
A pintura em análise retrata as duas gêmeas sentadas em um sofá de madeira 
entalhada. Ao fundo, como se houvesse uma abrupta diferença de altura após a 
mureta, apresenta-se uma paisagem urbana um tanto fantástica que talvez conserve 
ainda um eco do que foi e do que é o bairro carioca de Laranjeiras. A imagem em 
destaque mostra um plano tão aproximado que corta o corpo das gêmeas acima da 
altura dos joelhos. Essa necessidade de focar as irmãs deixa claro que o importante 
na pintura são elas e não a retratação da cidade carioca. A cor clara utilizada nos 
vestidos delicadamente estampados mostra a contrariedade com a cidade ao redor, 
que apresenta cores fortes e linhas que traçam o rebuscamento barroco desses 
prédios. 
O aglomerado das habitações e a forma desordenada que foram retratadas 
podem traduzir a ideia de oposição com as meninas postadas, imóveis e perfeitas. A 
oposição de base com a qual o texto trabalha é a tensão entre a segurança que o 
artista tenta mostrar versus a insegurança causada pela desarmonia da composição 
estética da cidade. Essa situação fez com que toda a intimidade das meninas fosse 
exposta de uma maneira abrupta. Talvez elas não quisessem estar ali porque 
sentiam insegurança e descontentamento, mas aceitaram para manter o contrato 
social que permite que famílias importantes façam certos rituais, como pedir que 
profissionais de prestígio retratem seus entes queridos. 
O artista ao abordar o tema das irmãs gêmeas explora também as diferenças 
que as acompanham. É possível imaginar uma linha invisível que as separa na 
prancha. A primeira irmã à esquerda está mais iluminada e todo o fundo que está ao 
seu lado é separado pela linha imaginária. A irmã da direita, ao contrário, está na 
sombra, assim como o seu lado da pintura. Ambas concordam, porém, com suas 
expressões de insatisfação. Suas mãos cruzadas sobre o colo indicam que estão se 
protegendo. Será esta a visão do artista sobre como as famílias de prestígio 
interagem com a sociedade, ou a maneira como vê estas duas mulheres? Querendo  
assim mostrar a dualidade da identidade fraternal, onde no conjunto das suas 
diferenças é que resgata  as semelhanças visuais, visto que são gêmeas e assim 
mostram-se parecidas em suas atitudes? Esta é a visão do artista ou a visão que 
imaginou ser a do expectador? 
 
57 
Como diz Fiorin (2006a, p. 21), a sintaxe dos diferentes níveis do percurso 
gerativo é de ordem relacional, ou seja, é um conjunto de regras que rege o 
encadeamento das formas de conteúdo na sucessão do discurso. 
O conto “Leite empedrado” relata a angústia de uma mulher que acaba de 
perder duas filhas em um açude e, ironicamente, logo em seguida dá a luz a outras 
duas filhas também gêmeas. O fato de a mãe ganhar duas filhas ao mesmo tempo 
em que sofre tão trágica perda não alivia o seu sofrimento. O paradoxo de vida e 
morte acompanha essa personagem tão singular por toda a narrativa: “Festa de 
aniversário não havia. Janaína e Jamela visitavam o cemitério. Ficavam o dia 
inteirinho diante da cruz das irmãs mortas” (CARPINEJAR apud MOUTINHO, 2005, 
p. 68). Em nenhum momento a mãe consegue se desvincular desse episódio 
funesto e durante toda a narrativa lamenta e compara as quatro filhas. 
Propositalmente ou por falta de lucidez, a mãe nomeia as novas filhas com os 
mesmos nomes das falecidas: “Não pensou nos nomes. Já estavam prontos, com 
roupas e sapatos” (Ibidem, p. 68). Essa postura adotada por Arlete, a mãe das 
meninas, causa certa confusão na descrição das ações praticadas pela mulher: ora 
ela faz alguma coisa pelas vivas, ora insiste em fazer algo e ficar lamentando pelas 
que se foram: “A mãe chamava pela casa as quatro filhas, duas mortas e duas vivas, 
entre panelas fumegando e janelas cerradas. Qual das duas vivia no escuro?” 
(Ibidem, p. 68). 
O texto é marcado pelas isotopias disfóricas da mãe que não consegue aceitar 
a perda das duas primeiras meninas. Esta cadeia sintagmática é observada também 
na figura do marido que nunca está presente e no subemprego que acentua ainda 
mais sua situação de infelicidade. Em seus comentários ela enfatiza a ironia do 
destino em tirar suas duas filhas e ao mesmo tempo presenteá-la com outras duas 
filhas na mesma data. A sensação que se tem a partir do ponto de vista da mulher é 
que a vida é pura ilusão, é triste e injusta.  
No conto em análise, prevalece a disforia, valor que é enfatizado pela trágica 
perda das duas meninas mortas em um açude e por toda a visão pessimista pela 
protagonista.  
As oposições semânticas abordadas neste conto são discutidas no seguinte 
percurso: 
 
58 
P.C. VIDA vs. MORTE 
P.E. VIDA vs. MORTE 
 
• VIDA (IRMÃS PRIMOGÊNITAS) → NÃO-VIDA → MORTE (IRMÃS MAIS 
NOVAS 
 
A dicotomia paradoxal que envolve toda a narrativa reflete o espírito angustiado 
e sempre triste da mãe que perde duas filhas afogadas em um açude. A vida das 
meninas que faleceram é mais importante que a vida das que nasceram 
posteriormente. O pesar e a autopunição por essa subtração criam uma barreira que 
a impede de enxergar as filhas que ganha logo em seguida. Essa mulher fica tão 
presa ao luto das duas primeiras filhas que não consegue perceber o quanto 
menospreza as duas que nasceram: “Dois minutos é pouco para uma vida, muito 
para uma morte” (CARPINEJAR apud MOUTINHO, 2005, p. 67). A história dessa 
mãe pode ser a de qualquer outra pessoa, mas a maneira como ela lida com a 
situação é o que torna o conto tão intrigante: “Janaína e Jamela nasceram no dia de 
finados. Provocação?” (Ibidem, p. 67). 
A temática abordada pelo enunciador reflete a única certeza que a personagem 
tem em sua vida: ela, assim com suas filhas, um dia morrerá! A certeza dessa mãe é 
refletida em todo o seu ser como mãe e mulher. O espírito pessimista e sua posição 
disfórica em relação à vida que vivia demonstram a maneira como encara seus 
problemas: “O leite empedrou como se fosse lápide o mamilo rosado. Rosa cheirosa 
de lápide, sem vala de pétala para sair o cheiro, sem abelhas para mudar de lugar” 
(CARPINEJAR apud MOUTINHO, 2005, p. 67). Os planos de expressão abordados 
nas impossibilidades de felicidade da mãe refletem ao mesmo tempo o plano de 
conteúdo que aponta para a oposição vida versus morte, pois as gêmeas que 
nasceram serão sempre encobertas pela perda das irmãs primogênitas. 
 
 
P.C. VIDA vs. MORTE 
P.E. ALEGRIA vs. TRISTEZA
 
• ALEGRIA → NÃO-ALEGRIA →TRISTEZA 
59 
O único momento feliz que o sujeito personagem “mãe” viveu foi com certeza 
antes da morte de suas filhas, pois depois desse lamentável episódio ela só 
consegue ver o mundo pelo prisma da negatividade: “Se havia alguma coisa alegre 
no mundo era a dor” (Ibidem, p. 67). A escuridão da maneira como enfrenta sua vida 
obscurece a vida das pobres meninas que nasceram posteriormente do mesmo 
ventre que gerou aquelas que morreram prematuramente: “Janaína e Jamela 
fermentaram aos bocados, aos bordados, trancadas em casa. Idade não havia” 
(Ibidem, p. 67). A tristeza dessa mulher deixa de ser pessoal e passa a ser também 
coletiva, não chega a afetar a comunidade, mas a sua própria família: “O grito é uma 
forma de rir” (Ibidem, p. 68). Tudo o que representa a alegria para esta mulher foi 
enterrado junto com suas primeiras filhas. 
 
 
P.C. VIDA vs. MORTE 
P.E. ETERNIDADE vs. FINITUDE
 
• ETERNIDADE → NÃO-ETERNIDADE → FINITUDE 
 
Eterno, para a mãe Arlete, é o sofrimento que sente pelas filhas que perdeu no 
açude. Finita é a alegria que sente por essas crianças que partiram antes da hora 
levando consigo o motivo de viver da mãe: “Cidade pequena é assim: tudo termina 
cedo para começar mais tarde. Jamela e Janaína são tão fortes que cresceram sem 
existir” (Ibidem, p. 68). A afirmação da eterna alegria com àquelas que se foram é 
negada pelo fim que tiveram.  
Para a mãe, a exposição da memória das duas filhas mortas é mostrada a 
partir das duas gêmeas que nasceram. A realidade presenciada por ela retoma o 
que pode ter sido de suas filhas que se foram nas duas que são representadas pelas 
que nasceram depois. O exercício da memória dos fatos passados é a 
impossibilidade de um cenário eufórico no futuro. A reminiscência é ao mesmo 
tempo uma produção particular e compartilhada. Particular como marca de 
subjetividade do sujeito mãe e compartilhada porque sua produção causa o 
assujeitamento das filhas que nasceram pela situação de estarem em segundo 
plano. Elas jamais serão alguém senão aquelas duas que nasceram na hora e no 
lugar errados: “Festa de aniversário não havia. Janaína e Jamela visitavam o 
60 
cemitério. Ficavam o dia inteirinho diante da cruz das irmãs mortas” (CARPINEJAR 
apud MOUTINHO, 2005, p. 68). 
Segundo Barros (2002a, p. 16), no nível das estruturas narrativas são 
construídas as enunciações do ponto de vista de um sujeito. Isso porque as 
“estruturas narrativas simulam, por conseguinte, tanto a história do homem em 
busca de valores ou à procura de sentido quanto a dos contratos e dos conflitos que 
marcam os relacionamentos humanos”. Neste conto, acontece apenas uma 
transformação significativa. O sujeito “mãe” começa a narrativa em conjunção com a 
memória das filhas mortas em um açude – seu objeto-valor. O fato de ter gerado 
mais duas filhas a obriga a desviar sua atenção desse seu objeto-valor, ou seja, o 
sujeito “filhas novas” transforma a situação do sujeito “mãe”. 
O programa narrativo deste conto é definido pelo enunciado de fazer (filhas 
gêmeas) que rege um enunciado de estado (mãe-mulher), ou seja, o sujeito “filhas 
novas” faz a transformação necessária para definir a situação de junção do sujeito 
“mulher” com seu objeto de valor. É nesse momento que a transformação é operada 
por um sujeito e pode criar outros programas narrativos. As filhas que nascem 
posteriormente obrigam a mulher, que está em conjunção com a memória das filhas 
mortas, a desviar a atenção do seu objeto-valor, mesmo contra sua vontade, para se 
concentrar em um novo objeto-valor que são as filhas novas. 
No conto em análise, encontram-se os seguintes enunciados de fazer e de 
estado: 
 
• Enunciados de estado: o sujeito “mãe-mulher” mantém relação de junção com 
o objeto-valor “memória das filhas mortas”. 
 
• Enunciados de fazer: o sujeito “filhas novas” transforma a relação de junção do 
sujeito “mãe-mulher” com o objeto “filhas falecidas”. Há, portanto, uma 
transformação de junção para o sujeito “mãe”. 
 
 
 
 
 
61 
Verificamos que o programa narrativo deste conto pode ser representado como 
PN1 = F[S¹ → (S² U Ov)]. 
 
F = função  
→ = transformação 
S1 = sujeito do fazer (filhas gêmeas) 
S2  = sujeito do estado (mulher-mãe) 
∩ = conjunção 
U = disjunção 
Ov = objeto-valor (memória das filhas falecidas) 
 
Também encontramos no conto os seguintes enunciados de fazer e de estado: 
 
• Enunciados de estado: o sujeito “mulher” mantém relação de junção com os 
objetos “memórias das filhas primogênitas”. 
 
• Enunciados de fazer: os sujeitos “filhas gêmeas” tomam o lugar das 
primogênitas. 
 
• Enunciado de estado conjuntivo: S ∩ O 
S (mulher) ∩ O (memórias das filhas primogênitas) 
 
• Enunciado de estado disjuntivo: S U O 
S (mulher) U O (memórias das filhas primogênitas) 
 
Como vimos neste momento da análise à organização narrativa é 
temporalizada, espacializada e actorizada. Para simplificar, as ações e os estados 
narrativos são localizados e programados temporal e espacialmente. Os actantes 
narrativos são investidos por categorias de pessoa. No discurso, os valores do nível 
narrativo estão na forma de percursos temáticos que podem ser investidos e 
concretizados em figuras. 
O tempo, o espaço e as pessoas do discurso dependem de dispositivos de 
desembreagem que fazem com que o enunciador do texto produza os efeitos de 
sentido de aproximação e distanciamento. Por essa razão, a desembreagem pode 
ser enunciativa quando há o efeito de proximidade marcado pelo uso da primeira 
pessoa eu do tempo presente agora e do espaço aqui; ou enunciva quando o efeito 
62 
produzido é o de distanciamento que emprega a terceira pessoa ele, o tempo então 
e o espaço lá. 
O tempo utilizado no conto é o pretérito imperfeito do modo indicativo. Esse 
tempo é empregado para exprimir um fato anterior ao momento em que se fala, mas 
não o fato considerado concluído, acabado. Revela a ação em seu curso, em sua 
duração. A pessoa utilizada é a terceira do singular. Portanto, o conto em análise 
utiliza a desembreagem enunciva, pois o efeito que pretende mostrar é o de 
distanciamento, abordagem também utilizada por Guignard na tela “As gêmeas”. 
Assim, este conto pode ser considerado pluri-isotópico já que desenvolve 
várias leituras temático-figurativas. São elas: 
 
• Leitura da falta de perspectiva de melhora de vida; 
• Leitura do medo da mudança; 
• Leitura da insegurança pelo novo; 
• Leitura da infelicidade permanente; 
• Leitura da incompletude humana. 
 
 
3.1 O DUPLO COMO ELEMENTO DE ANÁLISE COMPARATIVA 
 
O conto de Carpinejar narra à história de uma mãe que perde, ao mesmo 
tempo, duas filhas gêmeas afogadas em um açude. Inexplicavelmente, por muitas 
bênçãos ou zombarias do destino, essa mãe engravida novamente de gêmeas. 
Entretanto, essas crianças não têm os mesmos cuidados que as primeiras tinham. O 
que deveria ser a alegria da mulher torna-se um suplício, pois o fato de estarem ali 
remetem à lembrança das outras duas que se foram. Dessa forma, paradoxalmente 
vida e morte disputam a mesma atenção. 
A dualidade presente neste texto é representada por uma forma específica da 
manifestação dos dois actantes11 – irmãs vivas e irmãs falecidas – que operam com 
seu próprio conjunto de leis autorreferenciais: “A mãe chamava pela casa as quatro 
filhas, duas mortas e duas vivas, entre panelas fumegando e janelas cerradas. Qual 
das duas vivia no escuro?” (CARPINEJAR apud MOUTINHO, 2005, p.68). 
                                                 
11 Actante é uma entidade sintática da narrativa que se define como termo resultante da relação 
transitiva de junção ou de transformação (BARROS, 2002a, p.84). 
63 
O conceito de duplicidade é apresentado por meio da coexistência das quatro 
irmãs gêmeas, sendo que apenas duas delas estão vivas. O modo como a mãe 
reage à perda e ao mesmo tempo ao ganho de duas filhas mostra o abalo em sua 
vida que parecia estável até aquele momento. Seu luto permanente ofusca a vida 
das pobres meninas que nasceram posteriormente. As duas realidades que agem 
concomitantemente estão presentes nos elementos isotópicos das seguintes 
oposições semânticas: vida e morte, claro e escuro, tristeza e felicidade. Portanto, o 
paradoxo é expresso simultaneamente à própria narrativa. 
O sujeito “mãe” não sabe mais quem das quatro filhas está viva. Por vezes, ela 
manipula as vivas e em outros momentos é manipulada pelas filhas mortas. 
Também manipula a própria vida em função das mortas, o que negativamente acaba 
por manipular a vida das pobres irmãs vivas. O dualismo aqui se manifesta no fato 
de que duas tendências antitéticas disputam o mesmo segmento de tempo e 
espaço. É difícil afirmar quem das duas irmãs está realmente viva no espaço físico 
ou na lembrança da mãe. A coexistência de duas realidades presentes no texto só é 
possível por conta da perda das duas primeiras filhas; ou seja, a tragédia foi 
paradoxalmente a causadora do apagamento das duas filhas vivas. 
Greimas e Fontanille (1993, p. 30) afirmam que a instabilidade da cisão12 e a 
intercambialidade dos papéis de sujeito e de objeto observadas na manifestação 
discursiva fazem pensar que, no intervalo que separa o estado fusional do estado 
cindido, a aparição do “duplo” pode ser interpretada como prefiguração da 
intersubjetividade e como a relação sujeito-objeto. O objeto desejável pelo sujeito de 
estado “mãe” é um elemento impossível de se reaver e isso a torna impotente e 
desgostosa com os seus verdadeiros objetos de valor: as filhas vivas. Isso significa 
que o sujeito de estado “mãe” está em disjunção13 com o objeto-valor “filhas 
falecidas”. Enquanto os sujeitos “filhas vivas” estão em disjunção com o objeto-valor 
“mãe”. 
 
• S (MÃE) U OBJETO-VALOR (FILHAS FALECIDAS) 
• S (FILHAS GÊMEAS VIVAS) U OBJETO-VALOR (MÃE) 
 
                                                 
12 Ato ou efeito de cindir [separar (-se), dividir (-se)] (FERREIRA. 2000, p. 156). 
13 Privação do objeto-valor. 
64 
Este conto caracteriza-se por não colocar em discussão a personalidade das 
duas irmãs vivas que sofrem a duplicação, e sim por abordar a maneira como a 
memória das irmãs mortas influencia na vivência das que nasceram posteriormente. 
Na prática, o duplo ou a lembrança das irmãs que se foram não só substitui, 
momentaneamente, as irmãs vivas, mas também aponta o modo como são 
esquecidas ao longo da história pela própria mãe. Assim, a semelhança física, os 
nomes e a condição de filhas servem também para usurpar a identidade das outras. 
Portanto, não ocorre a divisão interna de suas verdadeiras personalidades, ao 
contrário, as outras duas irmãs falecidas mantêm-se vivas pela vontade da mãe e, 
dessa forma, as irmãs que já não estão mais presentes fisicamente estão vivas na 
memória e na constante contemplação de sua mãe: 
 
Vestiam a mesma roupa. A roupa das irmãs gêmeas mortas. Jamela 
gostava de ser Janaína e Janaína gostava de ser Jamela, para 
enlouquecer a mãe. Mas Jamela se agravava em Janaína pela cova 
abaixo da boca e Janaína se fingia de Jamela emagrecendo 
(CARPINEJAR apud MOUTINHO, 2005, p. 68). 
 
A cisão do indivíduo, no caso do conto, das irmãs vivas em duas (quatro) 
partes de cada uma delas acaba por reforçar a ideia de que elas não são, nem 
nunca serão, únicas em suas vidas. Suas respectivas posições no texto ainda não 
são fixas, pois são actantes funcionais14 visto que por causa de sua imprecisão são 
intercambiáveis com o seu duplo, no caso, as outras irmãs falecidas. 
 
Suas duas meninas, santas criaturas, haviam morrido antes e se 
chamavam Jamela e Janaína. Morreram afogadas no açude. Não 
eram gêmeas. Nada no mundo é gêmeo: a alegria, a dor, a 
esperança, o rancor da alegre dor. Se havia alguma coisa alegre no 
mundo era a dor, isso Arlete conhecia (Ibidem, p. 67). 
 
Tudo é narrado como se a voz do enunciador se elevasse repentinamente para 
dizer sua própria verdade. Não parece mais a voz do narrador por ele autorizada a 
relatar os fatos do modo como estavam sendo narradas. 
A instabilidade da cisão e a intercambialidade dos papéis dos actantes 
funcionais “meninas” e do seu duplo “irmãs falecidas” são observadas na 
manifestação discursiva. Isso faz pensar que a vivificação do duplo pode ser 
                                                 
14 O actante funcional, por sua vez, caracteriza-se pelo conjunto variável dos papéis que assume em 
um percurso narrativo (BARROS, 2002a, p. 84). 
65 
interpretada na relação do sujeito “mãe” com o objeto-valor “filhas falecidas” e na 
disjunção dos actantes “irmãs vivas” com o objeto-valor “mãe”. O duplo assemelha-
se às irmãs de modo tão reduplicado que assume suas identidades e conquista uma 
autonomia sem precedentes, na medida em que as protagonistas vivas se intimidam 
cada vez mais e se anulam como indivíduos. Portanto, a realidade causada pelo 
duplo na vida da mãe e, principalmente, das irmãs faz com que as meninas sejam 
incessantemente colocadas em um segundo plano, entregando assim seus lugares 
às irmãs que já se foram. 
A prancha de Alberto da Veiga Guignard (1896-1962) intitulada “As gêmeas” 
(1940) retrata duas irmãs gêmeas de nomes Léa e Maura. A tela mostra essas 
mulheres sentadas em um sofá, tendo ao fundo a paisagem de Laranjeiras, bairro do 
Rio de Janeiro.  
As semelhanças e as diferenças mais óbvias entre elas são um estímulo ao 
exercício de comparação, visto que são gêmeas e essa inevitabilidade acaba por 
apontar as estranhezas na composição das duas irmãs. O certo é que a semelhança 
física não é sinônima de comportamentos idênticos, pois elas até podem dividir 
afinidades, mas possuem personalidades, temperamentos e anseios distintos. 
O primeiro ponto a ser observado é o olhar que ambas mostram. A primeira 
delas, a da esquerda, passa um ar de quem está mais à vontade, mesmo 
esboçando um semissorriso. A segunda, ao contrário, mostra seriedade e deixa 
claro que por algum motivo não está com o mesmo ânimo. Apesar de estarem 
sentadas não estão relaxadas, pois mal se encostam no apoio do banco. Mas a 
primeira está mais apoiada, o que sugere que aceita melhor a situação. A posição 
das mãos de ambas, cruzadas sobre o ventre, mostra que querem se preservar. Mas 
até que ponto é possível perceber a identicidade dessas irmãs? 
A representação dos corpos em sua criação estética expressa seus desejos e 
suas paixões e se modula aos ritmos daquilo que desejam (ou não) apresentar. As 
sensações retratadas por meio da materialidade criada pelo artista são apenas 
algumas das muitas possíveis de se interpretar, pois as modelos podem querer 
transmitir outra imagem que não é a real. As posições observadas nas irmãs 
articulam-se de um modo fragmentado entre as duas. Assim, demonstram que a 
ideia de um duplo é representado ora em um corpo, ora em outro. A articulação do 
observador com a tela é o que conduz os detalhes de uma irmã para a outra, de 
maneira que certos pormenores podem ser anexados ou extraídos para completar-
66 
lhes o sentido. Mesmo sendo gêmeas, as imagens transmitem uma leitura 
diferenciada, de forma que uma pode que ser/estar mais imponente ou mais fraca 
que a outra. O arquétipo nesta pintura conduz o leitor até a reflexão sobre a 
(in)completude do indivíduo, e sobre como a reprodução só existe em função do 
original, ou seja, a individualização só é possível pelo próprio desdobramento, e 
vice-versa. 
Nesse ponto de vista, o duplo é um processo que desdobra o indivíduo original 
e o apresenta como outro, ainda que só possa fazê-lo no ponto de vista estético, 
pois um sujeito não poderia pensar, agir, sentir e ver o mundo como o original 
mesmo se quisesse. Dessa forma, gera-se a partir de um para, imediatamente, dele 
se individualizar e adquirir existência própria. A sua coexistência como o “eu” do qual 
é originário, contudo, nem sempre é pacífica. 
No quadro das gêmeas, por exemplo, uma parece estar mais à vontade que a 
outra e isso é visto pelo olhar direcionado para o observador que a retratou, bem 
como pela posição em que está sentada. Percebemos que seu corpo está de frente 
para o artista, enquanto a irmã está voltada para outro lado, assim como seu olhar 
fortuito. Elas estão com vestidos iguais nas mesmas cores, o mesmo penteado e 
aparentemente a mesma maquiagem. São tão parecidas fisicamente, mas tão 
diferentes na personalidade. 
Nesta representação pictórica, ambas as irmãs partilham de uma relação de 
interação que, por mais que reforcem suas diferenças, acabam por reforçar suas 
individualidades: elas só podem ser gêmeas por causa da outra, uma só é diferente 
porque tem a outra para se comparar. É, portanto, na particularidade que se origina 
o indivíduo que, por ser único, não pode ser representado por um duplo. Estar ali 
postadas para a retratação reforça o individualismo das irmãs, pois enquanto a 
primeira parece divertir-se com a situação, a segunda demonstra seu pesar. Uma 
quer ser apreciada e a outra quer se esconder. 
O duplo, portanto, ressalta apenas semelhanças e diferenças físicas entre 
ambos os sujeitos. Como extensão do caráter individual, um jamais partilhará dos 
mesmos traços que exaltam o estatuto de outro dele mesmo. Estabelece-se, por 
isso, somente uma relação de cumplicidade estética entre esses sujeitos que ora 
completam, ora são completados. O que se vê em um, não se vê em outro. 
 
67 
CONSIDERAÇÕES FINAIS 
 
 
Para a comparação e o estudo dos elementos constitutivos de sentido entre os 
textos pictóricos e os textos verbais deste trabalho, foi utilizada a análise semiótica 
francesa e os apontamentos da intersemioticidade e da interdiscursividade 
abordados anteriormente. 
O termo intersemiose15 é apresentado aqui como o diálogo estabelecido entre 
os contos e suas respectivas pinturas, no caso, “Apenas eco” com a pintura “Moças” 
e o conto “Leite empedrado” com a prancha “As gêmeas”. A leitura dos contos que 
foram escritos a partir da interpretação das referidas pinturas é o ponto criador deste 
diálogo. Trata-se de uma linguagem que adapta para si os códigos da outra: a 
releitura escrita dos elementos encontrados na representação pictórica. Isso se deve 
ao fato de que a obra foi traduzida para a nova linguagem e não transposta. A 
tradução implica em uma deliberada escolha de elementos mais significativos da 
obra original que continuam sendo significativos na nova linguagem. Assim, todos os 
excessos que não funcionam são deixados de lado. 
Diante de uma obra de arte, o leitor faz a interpretação visual do conjunto que 
observa. Ele é capaz de se emocionar de modo livre e espontâneo, ou simplesmente 
não gostar daquilo que analisa. Bem diferente é o processo de tradução de uma 
obra para outra linguagem, visto que as características já estão solidificadas 
culturalmente. Essa é uma tendência contemporânea que utiliza o sincretismo para a 
divulgação dos mais variados meios de comunicação. É uma fusão entre dois meios 
de representação de um texto, ou seja, um processo que visa à explicação de uma 
obra pela outra. Por isso este trabalho destaca não só o diálogo existente entre os 
referidos contos e pranchas, mas também a correspondência entre os recursos de 
expressão utilizados em ambos que cria um eixo semântico. 
A junção mostrada no livro Contos sobre tela (2005) entre a arte pictórica e a 
arte escrita não é um processo recente, muito menos inovador, pois esse processo 
dialógico já foi abordado inúmeras vezes por outros autores. Podemos citar como 
exemplo a obra Arte para Crianças que mostra textos de Ana Maria Machado, 
Walmir Ayala, Ziraldo, Fernando Sabino, Luis Fernando Veríssimo ao lado de 
                                                 
15 Inter-relações entre textos verbais e filmes, pinturas e músicas; é o estudo interartes, 
transdisciplinar. 
68 
pinturas de Alfredo Volpi, Milton Dacosta, Tomie Ohtake, Lasar Segall, Carlos Scliar 
e Arcângelo Ianelli. Também há o livro História de quadros e leitores, organizado por 
Marisa Lajolo, em 2006. Os dez títulos da coleção Arte conta histórias, da Difusão 
Cultural do Livro (DCL), assinada pela crítica e ensaísta Kátia Canton, descrevem os 
bastidores de lendários contos de fadas de vários países ao lado de ilustrações e 
projetos gráficos especialmente criados por artistas nacionais contemporâneos, 
entre eles Pinky Wainer, Guto Lacaz, Leda Catunda e Luiz Paulo Baravelli. O que 
torna Contos sobre tela uma obra digna de análise é a construção de textos verbais 
a partir de pinturas consagradas em diferentes épocas e por diferentes artistas. A 
atemporalidade das pinturas foi o ponto de partida para a construção dos 
enunciados que brilhantemente destacam o mundo atual, sua tristeza e 
incompletude diante da vida. 
As construções textuais apresentadas em forma de contos são as superfícies 
verificatórias dessas representações pictóricas, por meio das quais o leitor pode 
pressupor as relações estabelecidas entre ambos e a intencionalidade do pintor e 
dos autores dos contos. É, por isso, que no instante de interpretação dos sentidos 
das narrativas já se percebe também a relação com a constituição das pranchas. O 
contexto social e histórico é outro, a situação de criação e a intencionalidade são 
diferentes, a materialidade de ambos é diferente, porém, certos aspectos são 
recorrentes. Para Fiorin (2006b, p. 24) o dialogismo apresenta que “todo enunciado 
constitui-se a partir de outro enunciado, é uma réplica a outro enunciado”. 
Na tela o pintor quer representar o que para ele é uma simulação da realidade. 
No texto verbal, o escritor faz uma releitura dessas imagens, faz uma interpretação 
de como aquelas imagens são representadas hoje em sua vivência pelo conteúdo 
da pintura. Percebemos que na constituição pela pintura ou pelos textos verbais só é 
possível apontar alguns elementos de recorrências, pois um texto só pode ser criado 
mediante uma realidade momentânea. A tentativa de materializar a significação da 
pintura só pode ser possível por meio da própria pintura, da mesma forma acontece 
com o texto verbal; ou seja, na medida em que é mantido nos contos o mesmo 
campo semântico observado na expressão pictórica, cria-se um elo de 
interdiscursividade. 
As análises semióticas desenvolvidas neste trabalho apontam as relações 
existentes primeiramente em uma construção intersemiótica já que expõe a tradução 
do texto pictórico a partir do texto verbal. Em um segundo momento, aborda as 
69 
relações de proximidade apreendidas na leitura dos dois textos apresentados, isto é, 
analisamos a construção e a significação de cada discurso. 
No decorrer deste trabalho foi mantido o elemento questionador sobre a 
existência de alguma relação entre os textos, ou ainda de que forma os resultados 
os aproximam caso haja diálogo. As indagações que até então direcionam os 
apontamentos deste estudo urgem por demonstrar como acontecem as intersecções 
dos elementos semânticos nos dois textos, o verbal e o visual, visto que suas 
constituições são singulares e forjadas em épocas e contextos culturais distintos. Os 
dois, portanto, nas suas trajetórias, carregam a intencionalidade cabível somente na 
sua arte e por isso só podem representar aquilo que lhes foi proposto. 
No capítulo introdutório analisamos a ligação semântica existente entre a 
produção verbal “Apenas eco”, de Flávio Izhaki, e a obra pictórica “Moças”, de Di 
Cavalcanti. Observamos aqui que o conto foi escrito a partir da interpretação que o 
contista fez da prancha de Di Cavalcanti, portanto, o escritor recorre ao conceito de 
intersemioticidade para apresentar o seu produto de interpretação. Em razão disso, 
a interdiscursividade também se faz operadora desta análise já que, com a tradução 
da pintura em conto, ambos os textos passam a compartilhar de discursos muito 
próximos apesar de exporem conteúdos diferentes. Na pintura “Moças”, Di 
Cavalcanti denuncia o modo como aquelas mulheres são tratadas e faz isso com 
cores fortes e linhas grossas para expor o ambiente obscuro e triste que não é visto 
pela sociedade. Alguns desses elementos podem ser observados no conto “Apenas 
eco”, de Flávio Izhaki, como a solidão, a busca por segurança e a infelicidade 
constante da protagonista. Os elementos intertextuais dialogam entre ambos os 
textos que influenciam e são influenciados no processo de interpretação e 
verificação das recorrências. 
No conto “Leite empedrado”, o autor aborda o duplo que se instaura na 
narrativa devido ao falecimento e nascimento de duas irmãs gêmeas. Situação que 
causa na mãe muita angústia e constante pesar, pois se sente culpada pela perda 
das primeiras filhas. O paradoxo apresentado pelas trocas de identidade entre as 
irmãs já que a mãe não as distinguia mais é observado também na constituição da 
prancha “As gêmeas”. É perceptível que mesmo sendo gêmeas são muito diferentes 
na forma como se expõem: uma parece gostar de estar ali posando e sendo 
apreciada e a outra deixa claro o seu descontentamento de estar ali na mesma 
situação. Essa relação de duplicidade é observada nos dois textos, o verbal e o 
70 
plástico-pictórico. Ambos abordam o tema das diferenças entre os iguais. Os dois 
autores conseguem mostrar, por meio de suas artes, o mesmo tema. Percebemos, 
portanto, que tanto no processo de produção dos contos quanto na produção das 
pinturas alguns elementos podem ser observados como recorrentes. Em sua 
interpretação, isso se dá pelo processo de retomada de alguns dos elementos 
constitutivos de significação de ambas as obras e, assim, servem de esteio para a 
interpretação dos textos. 
Aqui é importante marcar a primazia de Bakhtin em relação a esses estudos 
que postulam que “dialogismo são as relações de sentido que se estabelecem entre 
dois enunciados” (FIORIN, 2006b, p. 19) em que um se deixa atravessar pelo outro 
e aponta para outras formas de ver e de pensar o mundo. Dessa maneira, o que 
pode se concluir desse capítulo inicial é que a oposição semântica, a disjunção com 
os objetos de valor e a predominância da disforia são elementos que podem ser 
observados na representação pictórica e no conto. Isso quer dizer que o autor do 
texto verbal permanece fiel à leitura que fez da obra visual e que, por elementos 
recorrentes de sua constituição, recria todo o ambiente encontrado no prototexto. 
No primeiro conto, “Apenas eco”, a personagem está em disjunção com o 
objeto de valor “filho”. Ela tenta de todas as maneiras engravidar para que esse filho 
lhe traga a companhia tão almejada. Já no segundo texto, “Leite empedrado”, a 
mulher começa em disjunção pela morte das filhas gêmeas em um açude, mas é 
ironicamente agraciada logo em seguida com mais duas filhas, novamente gêmeas. 
No segundo conto, o paradoxo é exatamente pelo fato dessa mãe não ficar contente 
pela gravidez; ao contrário, ela se lamenta durante toda a narrativa pelo pesar das 
primeiras filhas. De certo modo isso pode ser comparado com a primeira 
personagem que não tinha o seu filho, ou seja, ambas estão em disjunção com os 
filhos: o objeto-valor. 
A mulher do primeiro texto busca conquistar de todas as maneiras um 
companheiro para compensar toda a situação de desprezo e humilhação que 
passou durante toda a vida. O sujeito “mulher” do segundo conto tem um marido, 
mas não um companheiro: “O pai Boécio andava de caminhão pelas estradas. 
Nunca vinha para jantar. Nunca vinha para almoçar” (CARPINEJAR apud 
MOUTINHO, 2005, p. 68). Essa mulher tem um marido e mais duas filhas, algo que 
possivelmente lhe faria feliz. Todavia, o luto que carrega pelas primeiras filhas e a 
dor que está presente em tudo o que faz deixa claro o mesmo vazio encontrado na 
71 
primeira personagem, o que mostra novamente a proximidade das situações vividas 
por essas duas mulheres. A disjunção aqui é com a companhia de alguém que cuide 
e se dedique à família. O objeto-valor para ambas as personagens é o mesmo, é o 
companheirismo que esperam de alguém. 
No primeiro conto a menina-mulher perde a mãe muito cedo e, por isso, é 
criada de forma rústica e ríspida pelo pai que a via apenas como um peso a ser 
carregado: 
 
Minha mãe tinha morrido e meu pai levou-me um dia ao médico, sem 
dizer palavra, esboçar carinho, pronunciar seu maior medo. Subiu no 
elevador comigo e disse que dali não passava, para eu pagar a 
consulta com o cartão do plano de saúde e voltar de ônibus. Achou 
que eu estava grávida (IZHAKI apud MOUTINHO, 2005, p. 70).  
 
Já a mulher do segundo conto perde suas primeiras filhas afogadas em um 
açude. Esse episódio marcou para sempre sua vida e nada de bom que lhe 
acontecia, como o nascimento de outras filhas, não compensava sua dor pelas 
primeiras. Por isso, ambas as mulheres estavam em conjunção com uma perda de 
algo importante para elas, novamente um valor disfórico. 
Na análise comparativa entre as duas mulheres, podemos citar ainda o 
subemprego a que elas se submetem para terem o seu sustento. No primeiro conto 
a mulher é contratada mesmo sem experiência para trabalhar em um escritório onde 
não fazia nada além de servir sexualmente a seu patrão: 
 
Primeiro dia de trabalho, secretária pessoal, todos me paparicaram, 
deram atenção, o chefe elogiou meu currículo em branco [...]. Sentei-
me à minha mesa e não tinha nada para fazer. A secretária mais 
velha falou que eu era uma gracinha, perguntou como consegui 
aquele emprego sem experiência prévia. [...] Vem cá em minha sala 
mais tarde, tranca a porta (Ibidem, p. 71). 
 
Arlete, a mulher do segundo conto, trabalhava como faxineira em um hotel 
“Apagava a memória dos hóspedes, que encontravam o quarto ileso do primeiro dia” 
(CARPINEJAR apud MOUTINHO, 2005, p. 67). Elas se sujeitam a um emprego 
humilhante e enfadonho enquanto buscam aliviar suas tristezas da vida pessoal. 
A tristeza sempre presente na vida das duas mulheres retrata não só a 
infelicidade constante que aflige essas personagens, mas também mostra um 
elemento instaurado na sociedade contemporânea. A descrição da vida dessas 
72 
mulheres reflete algo em comum entre os escritores dos textos: a incompletude e a 
tristeza constante que acompanham o indivíduo nesta sociedade moderna. Tal 
recorrência percebida nos dois contos é o ponto de partida para a construção 
desses textos que retratam a mesma opinião de forma polêmica ou consensual. Não 
podem, então, ser compreendidos senão como eivados de ideologias que, presentes 
na produção desses enunciados, produzem também os mesmos discursos. Está aí a 
interdiscursividade recorrente nos dois enunciados. 
O resultado obtido pela análise dos dois contos e das respectivas pinturas 
mostra as incertezas e as incapacidades de uma vida estável e segura. Essa 
incompletude retratada por meio das personagens dos contos mostra como o 
homem não preencherá o seu vazio existencial na busca individual ou na tentativa 
de interação social. O homem busca em sua vivência realizar desejos impossíveis, 
expectativas e aspirações que não serão alcançadas porque sempre procura nos 
lugares errados. A ação do homem sobre o mundo marca o próprio homem e sua 
individualidade. Cada indivíduo tem um objeto-valor segundo a sua necessidade, de 
acordo com o que acredita ser o melhor para si. Mesmo assim, o destino de cada 
ser humano é a incompletude essencial. O indivíduo luta contra um vazio que ele 
mesmo cria cada vez que não consegue realizar os seus sonhos. 
O princípio fundador da vida é a interação que ocorre tanto no plano do 
particular sem a visibilidade do outro, como no plano do coletivo. Assim, percebemos 
o caráter de inconclusão que se materializa, pois o ser humano é egoísta e sua 
consciência individual depende da relação entre os sujeitos ao redor. Ao se 
presentificar o homem, revela-se a vida e a sua incompletude. 
Segundo Bakhtin: 
 
Todo sistema de normas sociais encontra-se numa posição análoga; 
somente existe relacionado à consciência subjetiva dos indivíduos 
que participam da coletividade regida por essas normas. São assim 
os sistemas de normas morais, jurídicas, estéticas (tais normas 
realmente existem), etc. Certamente, essas normas variam. Diferem 
pelo grau de coerção que exercem, pela extensão de sua escala 
social, pelo grau de significação social, que é função de sua relação 
mais ou menos próxima com a infra-estrutura, etc. (2006b, p. 94). 
 
É necessário afirmar que essas prévias conclusões são inconclusas do ponto 
de vista científico. Concluímos destacando que são apenas indícios e extratos dos 
estudos realizados neste trabalho de análise semiótica. 
73 
REFERÊNCIAS 
 
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74 
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WEIL, Pierre; TOMPAKOW, Roland. O corpo fala. Rio de Janeiro: Vozes, 1997. 
 
75 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ANEXOS 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
76 
 
MOÇAS 
 
 
 
 
 
 
Fonte: Di Cavalcanti (1897 – 1976), óleo sobre tela, 81,5 x 117 cm, coleção Aldo 
Franco. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
77 
 
AS GÊMEAS 
 
 
 
 
 
Fonte: Alberto da Veiga Guignard (1896 – 1962), óleo sobre tela, 104 x 86 cm, 
coleção Museu de Belas Artes / IPHAN / MinC. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
78 
ANEXO A: “APENAS ECO”, DE FLÁVIO IZHAKI 
 
 
Crescer foi borrar-me aos poucos, desatar o laço que as mãos fazem com os 
joelhos, desapegar de mim para outro, outros. Romper os limites negros da fronteira 
com o mundo, inundar de vermelho o branco enevoado da vida adulta. 
Lembro de uma ladeira. Devia ter treze, quatorze anos. O gosto daquele garoto 
de dezoito era amargo, cerveja e cachaça, e o nosso beijo baba espessa, salivosa, 
borbulhas brancas saindo pelo canto da boca, e, mesmo assim, era bom, me sentia 
adulta, mulher, beijando um desconhecido. Que abriu a bermuda, baixou a cueca e 
começou a roçar o pau meio duro entre as minhas coxas, e eu de novo menina, 
criança, oito, nove anos, que queria correr dali, com nojo, mas ele agarrou minha 
mão gelada, gelada e riu. Guarda isso, guarda. Mas eu não consegui dizer nada e o 
pau dele foi crescendo e caindo para o lado direito. Tive vontade de chorar, correr 
para minha cama e apertar meus ursinhos, cachorrinhos e gatinhos de pelúcia entre 
os seios e coxas. 
Voltei para casa pesando vergonha, vermelho manchando calcinha e sonhos. 
Sujeira que os banhos não tiram. Cedo, aprendi que era um erro crescer cedo 
demais. Cedo, percebi que era impossível não crescer. Restou-me esconder em 
minhas camisas largas e aparelho nos dentes, sábados desenhando felicidades e 
domingo assistindo a desenhos, até aparecer Alfredo e seu galanteio tradicional. 
Flores e bombons, sorrisos e mesuras, elogios e cartinhas, uma sessão de cinema 
com beijinhos no ouvido e um relaxa sussurrado como mantra. Cada cena diurna, 
luz amarelo-azulada que clareava a sala, era um susto; relaxa; cada dedo entrando 
uma dor desmedida; relaxa; um arrepio vinha acompanhado de culpa; relaxa. 
Na saída do cinema ele foi se afastando, afastando e por mais que eu 
procurasse suas mãos, que minutos antes estavam dentro do meu corpo, elas, 
arredias, eram ágeis para outras reentrâncias; o bolso do seu casaco, da calça, a 
mochila para pegar o relógio e dizer que estava tarde, muito tarde, precisava ir para 
casa e nunca mais me ver. 
Novamente voltei correndo chorando, a vergonha que carregava comigo era 
também de outro, irradiava contagiosa. Luz apagada, travesseiro entre as pernas e 
uma inadequação permanente: muito feia, muito baixa, seios pequenos, usada, suja. 
Minha mãe tinha morrido e meu pai levou-me um dia ao médico, sem dizer 
palavra, esboçar carinho, pronunciar seu maior medo. Subiu no elevador comigo e 
disse que dali não passava para eu pagar a consulta com o cartão do plano de 
saúde e voltar de ônibus. Achou que eu estava grávida. 
Doutor Carlos, ginecologista, alisou minhas coxas com dedos esguios, abriu 
minha identidade com precisão cirúrgica e disse que eu deveria começar a tomar 
pílulas, já estava na idade. Não dei ouvidos e no banheiro de casa refiz com as 
minhas mãos destreinadas a trajetória do doutor Carlos ensejou com aspereza. 
Vergonha é sentimento maior que palavra, não cabe em sílabas, ignora plural. 
As meninas falavam de namorados, namoricos, paixão, amor, todas falavam de 
amor com dezessete anos, e eu, afastada, falava de vergonha com aminha mudez. 
Cada voz renegada encarcera uma história, e eu tinha várias, e nenhuma poderia 
sair, ganhar o mundo, cair na boca de outras pessoas. As meninas da escola 
falavam de amor, cochichavam segredos e perguntavam para mim: - Nada? – E 
assim fui me escondendo, entre nada e silêncio, mentiras e omissões, vergonha. 
Primeiro dia de trabalho, secretária pessoal, todos me paparicavam, deram 
atenção, o chefe elogiou meu currículo em branco, disse que eu era uma jovem bem 
79 
preparada. Sentei à minha mesa e não tinha nada para fazer. A secretária mais 
velha falou que eu era uma gracinha, perguntou como consegui aquele emprego 
sem experiência prévia. O estagiário puxa ferro, cabelo de menina em boate, papo 
comigo, sorriso de deboche no rosto. E eu, sem nada para fazer no  primeiro dia , 
segundo terceiro, e vê se chegou o fax do cliente; não; faz um clipping do que saiu 
na imprensa, atende meu telefone e anota o recado enquanto eu estiver em reunião. 
Vem cá me minha sala mais tarde, tranca a porta. 
Eu beijava Augusto todas as terças à noite, entre quatro paredes, vida em 
segredo, enquanto ele estava jogando futebol, tomando chope com os amigos, 
trabalhando até tarde. Era meu chefe, numa terça de março, quentura de cortinas 
fechadas de fim de verão, ele disse que iria se casar, e respondi que tudo bem, 
estava cansada de ser a outra, enjoada daquela opressão de quarto de motel 
barato, de sentir peso natimorto sobre mim, suas costas peludas, hálito azedo de 
língua amarelada. Ele batia na minha bunda e ordenava: rebola putinha, e eu, que 
nada sabia, sabia que depois viria um gozo rápido, mas apenas dele. 
Eu voltava pra casa, nem acendia a Liz da sala e ia direto para a janela, atrás 
da cortina. Olhava os vizinhos da frente durante a noite inteira, meu reality show 
particular, antes de qualquer Big Brother, e os vizinhos eram velhos, gordos, e se 
faziam carinhos e sorriam os vizinhos da frente tinham filhos, crianças, e a vizinha 
acordava mais cedo e fazia o café para o mais velho antes de acordá-lo de manhã 
para a escola. Despediam-se com beijo na bochecha, e depois ela virava para a 
minha janela com sorriso ainda grudado no rosto. Amor, acho. 
Eu sentia inveja, sentia inveja sozinha, porque inveja não bole com plural. 
Em maio a menstruação atrasou, e essa foi a melhor notícia. A minha vida 
seria ter aquele bebê; niná-lo, mimá-lo, escová-lo. O sentido era esse então, e não 
aquela mesquinharia de afeto. Esperei que minha gravidez me legasse um grande e 
orgulhoso barrigão, que desfilaria entre as vizinhas no elevador apertado, na calçada 
da praia, tomando água-de-coco, é pra início do ano que vem, sorriria. 
A menstruação veio um dia no metrô, ida para o trabalho. Eu sentada nos 
bancos reservados para grávidas e idosos e a vergonha pingando do teto, suando 
janelas de vermelho, ruborizando minhas bochechas, cheirando ao meu choro. 
Doutor Carlos estranhou: - Como assim grávida? – Não transava há dois 
meses, desde Augusto, mas, achei que podia, achei que gravidez demorava a 
começar, não era assim automático, parar de menstruar logo no mês seguinte. 
Doutor Carlos tinha envelhecido, quase sessenta anos, mas, os cabelos 
continuavam mais vistosos, vermelho-acaju, e deu uma boa notícia: você pode 
engravidar, mas para isso precisa... e trocou a toalha da mesa de exames e 
começou a me tatear, dedos longos, sem luvas. 
Cada rosto na rua um pai, beijo de língua sêmen, dia passado espera, mês 
menstruado não. Nessa altura já conversava com a minha barriga, sonhava com os 
olhos castanhos, ousava imaginar verdes, quem sabe. Esperava que ele berrasse 
minha presença em choro todas as noites e o apertaria junto ao peito e lhe daria de 
mamar coma certeza de que meu filho precisava de mim. De mim. 
Acordei uma noite encharcada. Sonho, pesadelo, suor no pescoço, axilas, 
entre as pernas, colo, uma filha. Filha não, filha não, e acendi duas velas, dessas de 
apagão mesmo, nunca fui religiosa, e pedi numa reza inventada, num, por favor, 
meu Senhor, meu Pai, filha não e te prometo isso, aquilo e tudo, mas, filha não, que 
filha a gente coloca no mundo e não volta, se perde, como eu, em ladeiras, cinemas 
e quarto fechados. 
80 
Fui esquecendo de mim, apagando-me aos poucos, perdendo espaço na 
própria vida, e o filho era a redenção, sentido. 
Troquei de emprego: atendente de maternidade. Os bebês sorrindo em bolhas 
de saliva, os olhos procurando o mundo, as mãos descobrindo a matéria e o vazio. 
O banheiro era sempre a desculpa para deixar meu lugar e correr para o berçário, a 
vontade de que aquele menino de olhos negros fosse meu filho, dar comida para o 
mais magrinho, apertar o carequinha até ele sentir meu coração. 
Batizei cada período fértil com um médico, residente. Não era mais segredo, 
mesmo os mais novos me procuravam calados, e eu só queria nos dias certos, 
senão era pecado, religiosa de ocasião, poderia acabar tendo uma filha. 
Num quarto com banheiro foi um pai, a mulher amamentando o bebê e eu 
ocupado por eles, esperançosa do sêmen premiado. A respiração ofegante no meu 
pescoço, o arfar molhando os cabelos, os olhos dele fechados e os meus abertos, 
envergonhada, porque mesmo a repetição do ato não o fazia natural. Quando tudo 
acabava, rápido, era sempre um abotoar, uma culpa pesada viscosa nas paredes, e 
eu abandonada com as saias levantadas, calcinha no chão e a esperança entre as 
pernas. 
Doutor Carlos perguntou: - Parceiro fixo? Não esqueça da camisinha. 
Minhas pequenas mortes eram apenas de outros, suicídio é palavra-frase, não 
espera para escutar o refrão do plural. 
Se me restasse voz própria seria a hora de pedir ajuda, talvez um abraço 
apertado, mudo, resolvesse. Mas só me abraçavam por trás, por cima, pelo lado, 
nunca pela frente, nunca com carinho. 
Pegar um recém-nascido foi fácil. O berçário silencioso, as enfermeiras sempre 
ausentes. Escolhi o menor, o mais mirradinho, calmo em seu sono de prematuro. Tê-
lo em meus braços explicou tudo, muita coisa. O corredor vazio, a fuga certa e então 
o choro. Um choro fraquinho, fiapo de som esquecido, murmúrio de fome. 
Entrei num quarto vazio, abri meus botões e ofereci meus seios para ele. Meu 
corpo, que fora de tantos, por tanto tempo, era agora dele, pequeno, pequenino. O 
Bebê não conseguiu sugar meu leite e tentei ajudar, boca enfurnada nos mamilos, 
coração batendo descompassado; meu e dele, meu e dele, meu e dele, meu e dele, 
meu, meu, dele, meu, meu, meu, meu, meu. 
Devolvi o bebê para o berçário e saí correndo do hospital para nunca mais 
voltar. Numa tarde atemporal cheguei aqui. Pode ter sido ontem, há um mês, alguns 
anos, vida passada. Aqui o tempo não passa, a maquiagem segura, escuridão 
aplaca. Nesse ambiente de paredes vermelhas me aqueço nesta penumbra viscosa 
me escondo, cada vez que me levam morro mais um pouco, sem direito a renascer 
de olhos verdes ou perdão pelas escolhas que não fiz. 
Quando olho para trás e para o lado vejo outras que nem eu. Alguns clientes 
vêm toda semana e querem cada vez uma, mas somos a mesma. O meu cinema foi 
à feira agropecuária daquela de grená, o meu Augusto o Adilson de outra, a minha 
ladeira o beco daquela novinha de verde que chegou faz pouco tempo e ainda 
esconde as mãos entre as pernas. 
Os gritos nos quartos são apenas ecos, os gozos tremidos memória 
regurgitada entre lençóis. 
Deixei a fragilidade debaixo de outros corpos, a ingenuidade esvaiu-se em 
líquidos-espermas, sangue, saliva. Não procure em mim aquilo que um dia fui. 
Crescer tem essa vantagem, viver deixa essa condição, olhos negros de desafio, 
rímel à prova de choro, pose de quem sabe tudo e nada sofreu. Mas é apenas isso, 
pose, mentira, mãos enlaçando joelhos, autoproteção. 
81 
Com o tempo o seu rosto não é mais seu, mas, do passado, e se este rosto 
espelhar um passado que não seu melhor. O espelho guarda para si aquilo que já 
não é, cabe acreditar ou não, contestar ou manter a maquiagem alinhada, o sorriso 
montado, o vestido vermelho passado e a sobrancelha em desalinho proposital. 
 
 
82 
ANEXO B: “LEITE EMPEDRADO”, DE FABRÍCIO CARPINEJAR 
 
 
Elas não eram gêmeas. Deus não repete a mesma letra. 
Deus se nega. Nega ter escrito alguma coisa. Deus é um ator inédito. Janaína 
e Jamela nasceram do mesmo ventre, uma dois minutos depois da outra. Parto 
normal, como se fosse normal ao homem. A mãe Arlete trabalhava como faxineira 
de hotel. Apagava a memória dos hóspedes, que encontravam o quarto ileso do 
primeiro dia. Não prestou atenção em quem veio primeiro. Janaína ou Jamela? Dois 
minutos é pouco para uma vida, muito para uma morte. Não pensou nos nomes. Já 
estavam prontos, com roupas e sapatos. Suas duas meninas, santas criaturas, 
haviam morrido antes e se chamavam Jamela e Janaína. Morreram afogadas no 
açude. Não eram gêmeas. Nada no mundo é gêmeo: a alegria, a dor, a esperança, o 
rancor da alegre dor. Se havia alguma coisa alegre no mundo era a dor, isso Arlete 
conhecia. Rezava o terço gritando. Janaína e Jamela nasceram no dia de finados. 
Provocação? Acreditou que Jamela e Janaína eram a Jamela e Janaína afogadas. O 
leite empedrou como se fosse lápide o mamilo rosado. Rosa cheirosa de lápide, sem 
vala de pétala para sair o cheiro, sem velas de abelhas para mudar o lugar. O seio 
preso é pior do que dor de dente. O seio preso é um dente sufocando a língua. 
Cheiro trancado é fedor. A fé fede. Janaína e Jamela fermentaram aos bocados, aos 
bordados, trancadas em casa. Idade não havia. A única certeza é que uma nasceu 
dois minutos depois da outra. Qual? Arlete não controlou, gritando de dor. O grito é 
uma forma de rir. Vestiam a mesma roupa. A roupa das irmãs gêmeas mortas. 
Jamela gostava de ser Janaína e Janaína gostava de ser Jamela, para enlouquecer 
a mãe. Mas jamela se agravava em Janaína pela cova abaixo da boca e Janaína se 
fingia de Jamela emagrecendo. O pai Boécio andava de caminhão pelas estradas. 
Nunca vinha para jantar. Nunca vinha para almoçar. A mãe chamava pela casa as 
quatro filhas, duas mortas e duas vivas, entre panelas fumegando e janelas 
cerradas. Qual das duas vivia no escuro? Deus não explica o que escreveu. Festa 
de aniversário não havia. Janaína e Jamela visitavam o cemitério. Ficavam o dia 
inteirinho diante da cruz das irmãs mortas. Seus nomes antecipados na pedra, 
falecidos antes de nascerem. A morte é bem mais durável, não discorda, não 
quebra, não amolece. A mãe rezava um terço de trás para diante, revezando as 
novenas com Jamela e Janaína. Quem reza um terço se acostuma a algemar as 
mãos. Esquerda sentada na direita. Filhas perfeitas são as que morreram. Cidade 
pequena é assim: tudo termina cedo para começar mais tarde. Jamela e Janaína 
são tão fortes que cresceram sem existir. 
Só Arlete as viu, preocupada em apagar os dois minutos de diferença entre 
uma e outra.